Sinopse: Meu pai e suas apostas é uma história poderosa e comovente sobre a busca pela dignidade e a luta contra adversidades intransponíveis. Louise Meriwether tece uma narrativa cativante e, com elementos autobiográficos, que oferece um registro perspicaz da experiência de viver no Harlem dos anos 1930, sob o prisma de Francie, uma corajosa garotinha de doze anos. Este livro é uma jornada tocante pelas lutas e triunfos de uma família determinada a vencer as probabilidades e encontrar seu lugar no mundo.
Minha assinatura da TAG Curadoria começou o ano enviando em janeiro/2024 a indicação da jornalista Fernanda Bastos Meu pai e suas apostas da escritora norte-americana Louise Meriwether. O mimo foi um planner, como já virou tradição nos meses de janeiro para os assinantes.
Francie tem doze anos, vive com os pais e dois irmãos mais velhos em condições bastante precária no Harlem dos anos de 1930, tempos de recessão americana, e consequência direta da grande depressão que ocorreu nos Estados Unidos em 1929.
Sonhei que um bagre grande pulou do prato e me mordeu. Madame Zora dá os números cinco e catorze para peixe.
Enquanto a menina dorme em um sofá velho, o pai sustenta a família recolhendo as apostas e esperanças da vizinhança, mas o dinheiro é insuficiente para sustentar a todos e muito menos para convencer os filhos que o único caminho para melhorar de vida é a escola.
Sua melhor amiga tem explosões de violência, única forma encontrada pela menina de se libertar de tudo o que a sufoca, tornando Francie uma de suas vítimas. A vizinhança em sua volta vive em comunidade que se ajuda trocando xícaras de açúcar pela janela e tentando em meio ao sobreviver compartilhar seu apoio para as dificuldades do cotidiano. Sorrindo e sofrendo juntos conforme os obstáculos que enfrentam.
Meu pai tinha consertado o vazamento grande, mas não havia adiantado muito e, quando chovia lá fora, pingava dentro também.
O resultado são crianças criadas juntas e por conta, já que quando todos cuidam, nenhum cuida. E nisso as meninas irão vivenciar o assédio aos seus corpos, o preconceito e o abuso social sem receber as devidas explicações, enquanto decidem se os sonhos para o futuro conseguirão se manter vivos.
A escrita de Louise Meriwether
Ao optar em utilizar uma narrativa em primeira pessoa, onde o narrador é uma menina se despedindo da infância, a escritora norte-americana Louise Meriwether consegue dar leveza e fluidez em uma história onde racismo, fome, preconceito, injustiça social imperam em suas páginas.
As duas eram mais velhas que o restante de nós porque haviam repetido bastante de ano, e todos, inclusive as professoras, tinham medo delas.
Para quem vive em uma bolha como a minha, em alguns momentos chega a ser chocante a tranquilidade de como os personagens encaram as situações, sejam ela de assédio sexual, seja da desistência de sonhos, uma normalidade que nunca deveria ser considerada normal.
O fato de conter dentro da ficção momentos de autobiografia também mexerem com a minha cabeça, pois como uma boa escritora, Louise Meriwether nos coloca nas ruas do Harlem e não raro me peguei questionando em quantas ruas brasileiras não teriam meninas e famílias vivendo exatamente as mesmas situações, por mais inaceitáveis que elas sejam.
O que eu achei de Meu pai e suas apostas
Em Meu pai e suas apostas, mais do que pobreza, temos o limite com a miséria extrema, onde a família passa fome e frio, e o simples cargo de síndico para ganhar desconto no aluguel é suficiente para que eles não tenham auxílio do governo.
Eu tentava imaginar o que a havia deixado tão malvada.
Apesar dos pais de Francie desejarem que os filhos estudem, tentando acender o desejo de eles almejarem ir para uma universidade, as situações adversas desmotivam os irmãos da personagem, como nos lembrando que dependendo da situação, é mais do que querer, as vezes não sobra nada para poder.
O livro também permite que o leitor acompanhe o declínio de uma relação afetada pela fome, o marido que não aceita que a mulher trabalhe e se sente humilhado ao ter que aceitar que ela vá buscar dinheiro na rua, pode despertar conflitos de opiniões para quem vive quase cem anos depois, principalmente ao ver o cansaço e desespero diário que a mãe de Francie precisa administrar.
Simplesmente não se devia interferir nas brigas de rua do Harlem, ainda mais entre um homem e sua mulher.
No geral eu gostei bastante do livro, embora tenha alguns problemas de revisão, isto não impediu de a leitura ser fluída e chocante. Pois existe uma naturalidade latente em situações difíceis de aceitar, como de homens que trocam pão por passarem a mão no corpo das meninas. Ou na luta diária das mulheres sem rede de apoio, fazendo o possível e o impossível para garantir cada dia da sua família.
E claro o racismo pulsante, onde a violência é aplicada para admitir o que não se fez, onde sentenças injustas são proferidas, um dia-a-dia que não permite aos jovens criarem expectativas sobre qualquer futuro.
Ele só me incomodava quando eu estava sozinha, então eu sabia que ele não nos seguiria.
Um livro que não te permite finalizar a leitura de forma indiferente, seja pelo que se viveu pelas páginas, seja pelas comparações que podemos fazer com a nossa própria realidade.
Ficando a dica para quem gosta de livros com toques autobiográficos, que abordem períodos históricos, racismos e crítica social. E claro, para quem gosta de ler.
Meu pai e suas apostas
Daddy was a number runner
Louise Meriwether
Tradução: Petê Rissatti
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2023 - 189 páginas
Publicado originalmente em 1970
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