sexta-feira, 28 de março de 2025

O Triste Fim de Policarpo Quaresma



Sinopse: Publicado inicialmente em folhetins no ano de 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance do período do Pré-Modernismo brasileiro. Por meio da vida tragicômica do major Quaresma, um nacionalista fanático, ingênuo e idealista, Lima Barreto revela as estruturas sociais e políticas do Brasil da Primeira República, enfocando os fatos históricos do governo de Floriano Peixoto.



Aproveitando que muitos clássicos podem ser baixados de graça para o Kindle, estava com o O Triste Fim de Policarpo Quaresma na minha lista de espera há algum tempo.

Confesso, sou uma leitora muito mais de livros físicos do que digitais. Mas nada como uma viagem longa e o desejo de não carregar muito peso para finalmente realizar a leitura.

O ingênuo Policarpo Quaresma é um major do exército extremamente nacionalista, que vive na então capital Rio de Janeiro na virada do século XIX para XX.

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo.


A mistura de ingenuidade e patriotismo faz com que ele tenha ideias mirabolantes, como após se dedicar ao estudo do tupi-guarani resolver torna-la a nova língua oficial do Brasil, substituindo o português.

A criação de memorandos e mal-entendidos na língua indígena fazem ele ser internado em um manicômio, para tratar a sua excentricidade.

Um violão em casa tão respeitável! Que seria?


Liberto, ele se dedica a estudar agricultura, e acaba se mudando com a irmã e seu fiel empregado para um sítio, onde a diferença entre teoria e prática irão desafiar a sua teimosia. Enquanto de bônus precisa se livrar das intrigas da política local.

E então ocorre a eclosão da Revolta da Armada, onde Policarpo retorna a capital como voluntário, sem saber que novas decepções o aguardam.

Podia-se afiançar que nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta pra lá faltava na estante do major.


Tudo em uma escrita que mistura humor, críticas a sociedade da época, e uma dose de tristeza ao ver que há tempos o Brasil que abriga uma criatividade imensa, não tem espaço para os ingênuos e sonhadores.


A escrita de Lima Barreto

O carioca Afonso Henriques de Lima Barreto foi um renomado escritor e jornalista no período pré-modernista, cujas obras se tornaram clássicos da literatura brasileira. 

Sua escrita tem como característica retratar críticas sociais, populações marginalizadas, e outras mazelas que acompanham esta república federativa desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro.

Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro.


Algo plenamente encontrado em O Triste Fim de Policarpo Quaresma, onde as situações que as vezes parecem um tanto sem noção, revelam pelo humor situações esdrúxulas da sociedade e da burocracia do sistema.

Tornando a leitura da escrita de Lima Barreto não apenas fluída, mas que nos move não só a acompanhar seus personagens, como comparar com os dias atuais.


O que eu achei de O Triste Fim de Policarpo Quaresma

Para quem acredita que todo clássico brasileiro é chato e entediante, o livro de Lima Barreto é mais um que contraria esta fama.

Eu achei a leitura bastante fluída, as várias reviravoltas na vida do personagem me levavam a imaginar se será que era aquela nova ideia que levava ao título, pois é impossível não ficar pensando nele, para ao final realmente me sentir triste com fim dele.

Na vida, para ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia.


E ao mesmo tempo ficada a torcida para que o título fosse uma brincadeira, pois Policarpo Quaresma é um homem gentil e educado, que não se nega a ajudar os outros, que adora ler, e com uma ingenuidade que não o permite reconhecer todas as situações nem analisar a reação dos demais as suas ideias.

Somado a isso se tem um retrato da sociedade brasileira da época, ao qual me provocou a fazer um paralelo com os tempos atuais e pensar o que evoluiu e o que não mudou tanto assim.

A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo e o seu grande amor à pátria eram agora ativos e impeliram-no a grandes cometimentos.


Pois no livro é possível divagar sobre política, nacionalismo, feminismo, corrupção, injustiça, conhecimento, amizades e fidelidade ao que se acredita.

Tornando a leitura não só convidativa, mas também provocativa e bem escrita, fazendo valer a leitura. Ficando aqui a minha dica para quem gosta de bons livros.


O Triste Fim de Policarpo Quaresma
Lima Barreto
E-book Penguin-Companhia
2011 - 396 páginas
Publicação em folhetins: 1911
Publicação em livro: 1915


quinta-feira, 20 de março de 2025

Os Malaquias


Sinopse: Após perderem os pais, os irmãos Nico, Júlia e Antônio veem-se diante de nova realidade. O mais velho, ainda criança, passa a trabalhar na fazenda de um poderoso da região; a menina, por sua beleza, é adotada e levada para outra cidade; o caçula, um garoto que não cresce, é acolhido pelas freiras do orfanato. Romance de estreia de Andréa del Fuego, Os Malaquias recebeu em 2011 uma das mais prestigiosas honrarias da literatura, o prêmio José Saramago. Um tributo fascinante à memória, à família, à vida e à humanidade de cada um de nós.



No mês de dezembro recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Os Malaquias, da autora brasileira Andréa Del Fuego. A indicação foi da escritora e roteirista Morgana Kretzmann. E o mimo foi um calendário, já tradicional do mês.

Na comunidade de Serra Morena um raio atinge a casa dos Malaquias, levando a morte os pais de três crianças: Nico, Júlia e Antônio. 

Debaixo da construção a terra, de carga negativa, recebeu o raio positivo de uma nuvem vertical.


Da mesma forma que dividem os bens da família, as pessoas próximas também dividem as crianças. Nico, mais velho e mais forte, vira empregado em uma fazenda.

Os dois mais novos são enviados para um orfanato de feiras e Júlia logo é adotada por uma mulher que parece levar uma vida próspera.

Deixou que a garganta inflamasse até o limite possível, assim ele não trabalharia debaixo do sol.


Enquanto isso, Antônio, que não cresce, segue sua vida no orfanado, fazendo duas travessuras e sendo cuidado pelas freiras.

Mostrando o destino de cada um dos irmãos, a autora aborda assuntos relevantes, ao mesmo tempo que coloca o fantástico para quebrar toda a crueldade e dureza que eles encontram ao longo do caminho.


A escrita de Andréa Del Fuego

Os Malaquias é o primeiro romance da escritora e psicóloga Andréa del Fuego. Nascida em São Paulo sua escrita contemporânea costuma explorar as complexidades do ser humano.

Algo facilmente identificado em Os Malaquias, cuja a mistura do fantástico com uma escrita que se alterna em diferentes tempos e perspectivas conforme o personagem que recebe o foco.

As irmãs francesas estavam em missão católica na pequena cidade, gostavam de crianças enquanto elas cresciam e repetiam ensinamentos.


Pois ao abordar a história dos três irmãos, a história está em constante movimento, seja relatando fatos que estão ocorrendo, seja através de monólogos internos, o que permite ao leitor viver um pouco das emoções sentidas pelos personagens.

Tornando a narrativa envolvente, de forma que desperta a continuar a ler mais uma página, enquanto se tenta refletir sobre os assuntos abordados e diferenciar o que é real e o que é imaginação.


O que eu achei de Os Malaquias 

Ao misturar assuntos que podem mexer com o psicológico do leitor com o fantástico, Os Malaquias já atraiu a minha atenção desde as primeiras páginas.

Logo de cara ela aborda a perda que vai além das figuras de referência como o pai e a mãe, mas de tudo o que é sinônimo de segurança para as crianças, que é a própria casa e convivência com os irmãos. Existe uma crueldade por demais realistas nos bens materiais buscados por pessoas próximas e o abandono total dos três.

No quartinho ainda havia um guarda-roupa, um rádio de pilha e atrás da porta uma tábua de passar roupa.


Para a seguir chegarmos no trabalho infantil, dois dos irmãos são colocados para realizarem trabalhos braçais, sem que haja interesse pela educação deles. Sendo que em um dos casos a hipocrisia pode despertar um sentimento de raiva em quem está lendo. Ironicamente, o mais bem cuidado é o que fica no orfanato.

Há também a questão ambiental, quando uma hidrelétrica coloca parte da comunidade embaixo da água, temos um retrato não só de como o fato afeta as pessoas diretamente atingidas, mas também o aspecto econômico e o primeiro contato com uma novidade chamada luz, ao qual nenhum de nós consegue viver nos dias de hoje. Aqui temos a questão do apego por quem não tem direito a opinar sobre mudanças que afetam diretamente a sua vida, e o custo que isso pode ter para quem tenta resistir.

A casa dos Malaquias não ficou sozinha, vizinhos apanharam os pertences da família.


Tudo em uma escrita muito fluída, que conseguiu me aproximar não só dos personagens como do local em si. Onde reflexões e questionamentos andaram lado a lado enquanto eu acompanhava o crescimento de Nico, Júlia e Antônio.

E ao saber que a história foi inspirada em antepassados da escritora, mais surpreendente e interessante eu achei a história, o que me fez ficar com aquela interrogação até hoje do que foi real e do que foi imaginação.

Ficando a dica para quem acompanha o blog.


Os Malaquias
Andréa del Fuego
TAG - Companhia das Letras
2024 - 182 páginas
Publicado pela primeira vez em 2010


sexta-feira, 7 de março de 2025

Uma travessia por perturbações


A coletânea com vinte contos foi elaborada pela TAG Experiências literárias e enviada como mimo em seu mês de aniversário. Todos os contos são curtos, alguns curtíssimos, mas com uma dose grande de crítica, reflexão e densidade. Abaixo relaciono cada um deles.


O povoado vizinho: um micro conto sobre o tempo, a vida, suas expectativas e a morte.

Um relato a uma academia: Peter é um macaco que após ser capturado, aprende a se comportar como um ser  humano. Cinco anos depois, ele apresenta um relatório para a Academia para relatar a sua transformação.

Essa realização teria sido impossível se eu tivesse me agarrado teimosamente às minhas origens, às memórias da juventude. 


Um artista da fome: um homem se torna uma das principais atrações em circos e feiras por sua habilidade de jejuar por longos períodos. Mas o tempo passa e a curiosidade do público também, fazendo com que o artista busque formas de atrair novamente o interesse.

O novo advogado: neste conto Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande, se torna um advogado para se adaptar as constantes mudanças do mundo.

 Ele faz muitas tentativas de ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos.


Diante da lei: publicado inicialmente como parte de O Processo, conta a história de um homem do campo que deseja passar por um portão que guarda a lei, mas um porteiro o impede de entrar e assim ele passa a esperar.

O passageiro: em uma plataforma para pegar um bonde elétrico um passageiro que se encontra incerto de seu lugar no mundo começa a divagar sobre uma moça que se prepara para descer do bonde que está chegando.

 Estou de pé na plataforma do bonde elétrico e totalmente incerto em relação a meu lugar neste mundo, nesta cidade, em minha família.


Volta ao lar: um filho retorna a casa do pai, mas antes de bater porta começa a levantar inúmeras questões sobre as relações que possui com os que ali estão.

Na galeria: uma bela amazona se apresenta no circo e um dos expectadores começa a especular as reações e percepções sobre o que ocorre e como elas seriam em um cenário diferente.

 Cheguei. Quem me receberá? Quem espera atrás da porta da cozinha?


A partida: um homem tem pressa em sair do lugar onde está.

O timoneiro: após uma noite inteira ao timão, um homem é questionado por um estranho sobre se aquela é realmente a sua função. Sem o apoio da tripulação, ele se sente confuso.

Que tipo de gente é essa? Pensam também ou se arrastam sem razão de ser pela Terra?


O silêncio das sereias: Odisseu acredita ter tomado as medidas necessárias para se proteger do canto das sereias, mas o que ele não sabia era que o silêncio é muito mais poderoso.

Poseidon: o famoso deus grego encontra-se entediado e sobrecarregado de inúmeras tarefas burocráticas.

 Dessa fria arrogância, você sabe, não surgem quaisquer fagulhas de entendimento.


Chacais e árabes: um europeu está acampando com os árabes em pleno deserto, e ao esquecer de abastecer a fogueira é cercado por chacais que tem um estranho pedido a fazer.

O abutre: um homem tem os seus pés atacados por um abutre e não consegue se livrar do animal, sentindo-se indefeso.

 Nem tudo se cumpre, nem todo sonho em flor amadurece, seus terríveis restos jazem aqui, já indiferentes ao pontapé. 


O fratricídio: em um conto de suspense temos o assassinato de Wese por Schmar, um homem frio que estava determinado a praticar o crime, e a testemunha que assistiu a tudo

Um sonho: Josef K. sonhou que queria passear em um dia bonito, mas logo se viu caminhando em um cemitério.

 Que se veja o poder persuasivo do ar depois da tempestade.


Desista!: ao se descobrir atrasado, o narrador não sabe mais qual caminho tomar.

O caminho para casa: durante uma caminhada noturna de volta para casa, o narrador sente a escuridão e o silêncio ampliando a sensação de isolamento que ele tem.

 Eu havia dito até então tantas saídas e, então, mais nenhuma.


Pequena fábula: um rato sente o seu medo mudar, se antes era a amplitude do mundo, agora é o seu estreitamento.

Desejo de se tornar índio: o narrador vê na figura do índio a liberdade que ele anseia.

 

A escrita de Franz Kafka

Um dos maiores nomes da literatura, Franz Kafka (1883-1924) nasceu na cidade de Praga em uma família judia classe média. Sofreu de tuberculose por quase toda a sua curta vida, mas isto não o impediu de transformar a opressão paterna, a angústia existencial, e suas críticas a burocracia e a alienação do ser humano em histórias.

Em suas obras Franz Kafka questiona as regras e expectativas que temos ao viver em sociedade, e a solidão e o isolamento que isto pode nos impor. Muitas vezes expondo contradições e hipocrisias.

Sobre os seus protagonistas, não raro se identifica o seu desconforto, a busca por sobrevivência, validação ou admiração. Sentimentos como angústia e frustração também estão presentes em suas páginas, assim como a busca de um propósito de difícil acesso, dando um aspecto entre o sombrio e melancólico em seus contos.

O escritor também utiliza de metáforas e parábolas em alguns momentos , seja para criar comparações entre passado e futuro, seja para escreve sobre um mundo que está em constante mudança desde sempre, ou simplesmente para deixar que o leitor dê a as próprias interpretações.

Outra constante é a lei, como em seu livro O Processo, ela está presente em mais de um conto, sendo uma crítica a sua burocracia e a dificuldade de acesso a ela pelas pessoas que precisam.

Tudo usando uma linguagem mais ácida que convida o leitor mais atendo a reflexão sobre o que é ser humano, em textos que vão do existencialismo ao questionamento sobre o funcionamento da sociedade.

E para isso nem os mitos serão poupados de enfrentarem situações diferentes das que encontramos nas lendas e literatura.

 

O que eu achei de Uma travessia por perturbações

O primeiro livro que li de Franz Kafka foi O Processo, que já havia chamado a minha atenção por toda crítica ao sistema como um todo. Recentemente tive a oportunidade de ler A metamorfose em uma versão quadrinhos, onde o fantástico entra cheio de simbolismo.

Dos contos listados eu só conhecia Um artista da fome, ao qual segue me impacto cada vez que leio e que segue muito atual, só que agora as coisas mais absurdas para chamar a atenção acontecem nas redes sociais, e não mais no circo.

Algo que se reflete também nos demais dezenove contos deste livro. Já que a escrita atemporal de Kafka nos mostra que a nossa evolução é muito mais tecnológica do que humana.

Um fato curioso sobre os contos de Franz Kafka é que eles podem ser curtos, até mesmo curtíssimos - ocupando menos de uma página em alguns casos-, mas não podem ser descritos como leves e fáceis.

 Alguns, como A partida, deixam mais dúvidas do que respostas, exigindo um tempo para reflexão ou até mesmo uma pequena pesquisa para uma melhor compressão das palavras do autor.

 Não sendo exatamente um livro para se devorar um conto atrás do outro, já que não raro algumas coisas precisavam de tempo para serem melhor assimiladas. Pelo menos no meu caso.

 E como eu gosto muito do autor, e gosto mais ainda de contos, deixo essa dica para vocês. Como não sei se foi colocado à venda, fica naquele acaso para quem frequenta sebo e se deparar com o exemplar.

 

Uma travessia por perturbações - 20 contos
Franz Kafka
Organização e tradução: Bruno Gambarotto
TAG - 2024
125 páginas