sexta-feira, 16 de maio de 2025

Mundos de uma noite só

Sinopse: Mundos de uma noite só é um romance de formação. Mas também de destruição: de uma cidade, de um tempo e, em especial, de nossas mais preciosas ilusões. Assim, somos convidados a acompanhar a jornada de uma mulher que, após encontrar um livro antigo entre as coisas de sua mãe, se vê obrigada a revisitar sua própria história. Multifacetado e de leitura hipnótica, este romance nos revela que, realmente, nada é apenas o que parecer ser. Nem mesmo aqueles que mais amamos.



No mês de março/25 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora Carola Saavedra - que tem o livro Com armas sonolentas resenhado aqui no blog - Mundos de uma noite só da sua pupila Renata Belmonte. O mimo foi chamado de cápsula de inspiração literária, que nada mais é do que cartões com frases de grandes escritoras. 

A menina sem nome, apelidada de Vivinha, cresce com duas mães em uma casa onde há fotografia de belas mulheres da família, ao qual nunca conheceu presencialmente, mas nenhuma referência masculina.

Foi nessa época, quando eu tinha apenas cinco anos, que elas me ensinaram que o amor é apenas um anticorpo do medo.


Uma criança que sofre de uma doença tão não nomeada quanto ela, vê a mulher que chama de mãe passar mais ausente que presente, enquanto Lágrima, sua segunda mãe, lhe presta a assistência no dia a dia.

Em paralelo um manuscrito póstumo chamado Uma valsa para o esquecimento apresenta a Vivinha a história dos Grimaldi desde a época de 1940, e assim ela vai conhecendo não só a família paterna como os seus próprios pais.

Se meus sonhos não se realizavam por que haveria de achar que logo meus pesadelos se tornariam realidade?


Mostrando em forma de uma dupla narrativa como o machismo estrutural funciona naturalmente dentro de uma família por gerações.


A escrita de Renata Belmonte

A baiana Renata Belmonte é formada em direito e iniciou no mundo literário através de um livro de contos. Mundos de uma noite só é o seu primeiro romance e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.

Sua escrita tem como característica explorar temas relacionados a mulheres, como a opressão feminina, a própria identidade e as relações familiares. Algo plenamente encontrado em Mundos de uma noite só.

Como todos os outros, estava ficando velha e cansada. Pior: como todos os outros, começava a colecionar mágoas.


Mundos de uma noite só possui duas narrativas em uma. Para contar a história de Vivinha os capítulos parecem recortes, em uma estrutura não tão linear, que vai pontuando fatos da infância até a vida adulta da personagem.

Já o manuscrito tem uma sequência cronológica mais estruturada, e ao mesmo tempo ele fornece pistas do que acontece na vida de Vivinha, como uma espécie de quebra-cabeça.

Apesar de o marido ter sido um dos fundadores de um partido de oposição, viviam exatamente da mesma forma que os outros que ele tanto atacava.


Um dos recursos utilizados é o da repetição. Há repetições de parágrafos inteiros ou de frases para resgatar uma cena, podendo passar a impressão de erro na publicação, mas é um recurso literário. 

Também são utilizadas diversas expressões literárias, como na dedicatória que cita Albert Camus ou de uma frase de Simone de Beauvoir no momento da primeira menstruação.

Já havia escutado minha mãe dizer que era assim: todas as mulheres morrem, pela primeira vez, aos quinze anos.


E existem detalhes na forma como algumas coisas são apresentadas sem precisarem ser ditas, e a falta do primeiro nome das personagens principais representa é u exemplo do apagamento feminino, muito bem representado pela Senhora de Menezes Grimaldi.

Um livro para discutir o universo feminino com e sem firulas durante três gerações em um romance que pode causar reflexões ou confusões na sua linha de pensamento.


O que eu achei de Mundos de uma noite só

Sou fã de quebra-cabeças e livros de suspense. Então ao ler as primeiras páginas, em uma ligação para a minha mãe lhe disse: eu acho que é isso, isso e isso. Minha mãe já havia lido o livro, mas como combinado, ela não me deu nenhum spoiler. E sim, após a confirmação de que o livro terá uma continuação - ao qual não lerei - eu acertei.

Mas não irei ler a continuação por ter achado ruim? Pelo contrário, achei o livro bom, mas a graça nele para mim foi justamente terminar em dúvida, pensando se as duas narrativas eram realmente uma ou se era absolutamente tudo inventado, tipo aqueles filmes que no final a pessoa descobre que estava sonhando.

De repente, o que era uma mistura de admiração e medo, passa a ser rancor e um tanto de desprezo pela constatação de sua humanidade.


Só que comecei o meu acho rápido demais, voltemos para o início. A narrativa lembra muito o formato de quebra-cabeças, já que algumas das dúvidas que vão surgindo na parte da Vivinha são respondidas pelo livro encontrado após a morte da mãe.

Existem algumas lacunas que persistem, como a doença da menina, se era algo físico, se era depressão ou uma forma de chamar a atenção da mãe ausente, cuja presença de Lágrima não consegue atenuar.

Como não enlouquecer vendo as mesmas caras, dia após dia, por toda a vida? Como não perder a cabeça presenciando os mesmos acontecimentos, ano após ano?


Na parte do livro póstumo há muita crítica, e elas vão além da hipocrisia familiar, abrangendo também a sociedade e a política. Assim como as traições são recorrentes em diferentes níveis de relacionamento.

Em ambas as partes temos as vivências do universo feminino, da primeira menstruação, gravidez, maternidade, amores, vontade de agradar, amizade entre mulheres e abusos de diversos tipos, em diferentes classes. 

Se é o amor que irá me salvar, para que ele apareça logo, dou início ao meu processo destrutivo.


Além disso, para quem acompanha ou viveu a cultura do século passado, algumas referências irão chamar a atenção. O sobrenome Grimaldi foi um dos itens utilizados na narrativa que me fizeram a associar a easter egg, e sim, encontrei mais de um na história. No caso dos Grimaldi, é o mesmo sobrenome da família que tem o controle do Principado de Mônaco. Lembram da princesa Grace Kelly?

Mas no lugar desses easter egg serem divertidos, é quase como se a autora quisesse me lembrar que apesar de ficção, há muito de realidade no que é contado. Pois o uso de um sobrenome da nobreza europeia em uma que representa a elite política brasileira, nos faz pensar não apenas no poder patriarcal, como nas renúncias femininas e o que se esconde toda a fachada de influência e respeitabilidade.

Algumas coisas são certas nesta vida. A primeira delas é que, em algum lugar do mundo, existe alguém que irá lhe fazer mal, mesmo que não intencionalmente.


O apagamento da mulher, muito bem representado pela falta do nome de Vivinha e da sua avó paterna, chamada sempre de Sra. Menezes Grimaldi, foi para mim a maior evidência disso. Pois a saída das mulheres da sombra das figuras masculinas ainda é recente e não é total. Então foi como um lembrete de que muitas coisas ainda não mudaram, e ainda não ocupamos todo o espaço que temos direito.

No geral apenas um ponto me incomodou: o narrador do livro póstumo. Confesso que foi ele que me levou a dúvida se tudo era "real" ou apenas invenção. E na minha opinião, um diário escrito pela Sra. Menezes Grimaldi teria tornado esta parte mais verossímil.

Eu não pude ter uma infância normal por causa dela. Desejou me transformar num protótipo seu, numa pequena prostitua magricela.


E é justamente esta brincadeira de descobrir se as teorias estão corretas, com a dúvida se tudo é realmente real somada com as inúmeras reflexões sobre o universo feminino, tornam o livro fechado para mim, o que motivou a minha declaração no início de que não, não desejo ler a continuação.

Mas deixo a dica para você ler Mundos de uma noite só e tomar a sua decisão se deseja ou não ler a continuação. Querendo trocar percepções, é só deixar as suas teorias nos comentários.


Mundos de uma noite só
Renata Belmonte
TAG - TusQuets Editores
2025 - 192 páginas
Publicado pela primeira vez em 2020



sexta-feira, 9 de maio de 2025

Blade Runner


Sinopse: Em uma Terra decadente, coberta por poeira radioativa, Rick Deckard é um caçador de recompensas. Uma missão desafiadora pode ser sua única chance de ascensão: Deckard precisa perseguir e aposentar seis androides foragidos que se passam por humanos.



Em uma São Francisco pós-apocalíptica, ter um animal de verdade é sinal de status e acreditar em Mercer um sinal de humanidade entre os que ficaram vivendo em uma Terra radioativa.

Entre os moradores está Rick Deckard, um caçador de recompensas casado com uma mulher depressiva e dono de uma ovelha elétrica sofisticada o suficiente para enganar os seus vizinhos.

Isso em vez de economizar, e assim a gente poderia comprar uma ovelha de verdade, para colocar no lugar daquela falsa e elétrica lá em cima.


Sua nova missão lhe promete dar uma boa quantia em dinheiro: aposentar um grupo de replicantes Nexus-6 fugitivos das colônias que ficam em outros planetas. Estes replicantes são particularmente perigosos, pois são androides com criação biológica avançada, sendo necessários testes de empatia para distingui-los dos seres humanos.

Mas no decorrer da missão, Deckard começa a conhecer diferentes pessoas e androides, e as relações e comportamentos começam a fazer com que surjam diferentes reflexões sobre o que ele acredita e pensa em relação a natureza de tudo, da vontade de viver até a criação de laços.

A Poeria que havia contaminado a maior parte da superfície do planeta não tinha surgido em nenhum país em particular e ninguém, nem mesmo os inimigos de guerra, havia planejado isso.


Tornando Blade Runner não só uma ficção científica, mas uma obra que nos faz refletir sobre questões existenciais a respeito da nossa própria humanidade.


A escrita de Philip K. Dick

Considerado um visionário, o autor americano nascido em Chicago Philip K. Dick é conhecido por interligar temas complexos que vão desde a natureza da realidade, passando por tecnologia até o que se entende por identidade.

Sua escrita até hoje influencia autores e cineastas, principalmente por serem inovadoras e instigantes até hoje. Mas incrivelmente este autor capaz de questionar presente passado e futuro só atingiu a popularidade após a sua morte.

Porque, em última análise, o dom da empatia ofuscava as fronteiras entre caçador e vítima, entre vencedor e vencido.


Isso se deve as adaptações de suas obras para o cinema e televisão como "Minority Report", "Total Recall", "The Man in the High Castle" e "Do Androids Dream of Electric Sheep?" que teve o nome alterado para "Blade Runner" e segue sendo cultuado até os dias de hoje, com direito a mais de uma versão. 

O livro "Do Androids Dream of Electric Sheep?" hoje muitas vezes é publicado com o nome do filme, mas sua escrita não foi adaptada para a versão cinematográfica.

De qualquer jeito é um risco, libertar-se e vir para a Terra, onde não somos sequer considerados animais.


O Blade Runner das páginas segue explorando temas filosóficos como o que define a humanidade. A narrativa em terceira pessoa é direta, com diálogos que ajudam a ambientar o mundo que os personagens vivem.

Assim como explicitar as crises existenciais, a necessidade de ter algo para acreditar, revelando angústia, depressão, necessidade de aceitação.

Senti todos os outros, em todo o mundo, todos que haviam feito a fusão ao mesmo tempo.


O que torna o livro bem diferente da sua versão cinematográfica, mas nem por isso menos interessante.


O que eu achei de Blade Runner

Primeiro tive uma sensação de estranhamento, já que as datas citadas no livro o futuro já virou passado, mas pelos eventos, parecemos estar vivendo o início de tudo o que é relatado no livro.

Encontrei nas páginas um planeta destruído, onde androides replicam perfeitamente a imagem de humanos e animais, mas há muitas outras camadas na história que são exploradas.

Estou aqui com você e sempre estarei. Vá e faça sua tarefa, mesmo que você saiba que é errado.


É curioso ver em uma sociedade em que poucos restaram e uma poeira toma conta do céu, que as aparências ainda importam. O que você tem ou deixa de ter na opinião dos outros segue aumentando ou diminuindo o seu ego, mesmo que o dinheiro gasto pudesse ter melhor uso.

A questão da fé também é muito forte. O acreditar em alguém impulsionado pela empatia, que somente a humanidade consegue sentir, desafia as máquinas, a ponto de elas também quererem um pouco das vivências humanas.

Nenhuma consciência emocional, nenhum senso de compreensão do real significado do que diz.


E é essa empatia que irá mexer com o caçador de androides, que o fará sentir dúvidas e questionar sobre suas próprias ações enquanto precisa decidir se irá ou não completar a missão.

O que geram cenas com aquele ponto de interrogação: Rick está alucinando ou temos uma ficção científica com realismo fantástico? O que estamos lendo é uma milagre ou uma alucinação movimentada pela necessidade de acreditar?

No entanto, o fogo sombrio tinha diminuído; a força da vida esvaía-se dela, como ele já havia testemunhado antes com outros androides.


Tornando a narrativa algo muito superior a uma caçada ou avanço tecnológico, onde as máquinas são apenas o gatilho para discutir sobre os eternos conflitos humanos.

Motivo pelo qual recomendo e muito a leitura, seja você fã de ficção científica, seja você fã de reflexões sobre a nossa existência.


Blade Runner
Do androids dream of electric sheep?
Philip K. Dick
Tradução: Ronaldo Bressane
TAG - Aleph
2023 - 272 páginas
Primeira publicação em 1968


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Nadando no escuro




Sinopse: Em meio a um cenário político conturbado, Ludwik conhece Janusz em um acampamento agrícola. A amizade, a princípio inocente, logo cede espaço a um romance voraz às escuras. Cercados pela isolada beleza da natureza e livres das restrições sociais, eles se apaixonam. Mas, longe daquele cenário idílico, na repressão da sociedade comunista e ultraconservadora de Varsóvia, o amor dos dois é mais do que proibido — é impossível. Do intoxicante primeiro amor até a dor de amadurecer, Tomasz Jedrowski criou uma inesquecível e instigante história que explora liberdade e amor em todas as suas formas.

No mês de fevereiro/25 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação do escritor cearense Stenio Gardel (autor do maravilhoso A palavra que resta) o livro Nadando no escuro do escritor alemão Tomasz Jedrowski. O mimo foi um par de sachês da Tea Shop (adoro).



Em um formato que lembra uma carta, um Ludwik que mora em Nova York relembra diferentes momentos da sua vida na Polônia dos anos de 1980. Do primeiro amor por um menino judeu cuja família um dia desaparece, as reuniões misteriosas da mãe e da avó fechadas em um quarto, até a exposição de risco em um local público quando tenta entender a sua sexualidade.

Talvez fossem os fantasmas desses sons, varridos pelo vento e carregados sobre o oceano para bater à porta de minha consciência.
 

Esta carta é para Janek, um rapaz que conheceu em um acampamento de trabalho agrícola, onde o livro O quarto de Giovani faz a ponte entre os dois para viverem um romance intenso e secreto.

Secreto por não ser aceito pelo regime político a ponto de gerar perseguições e interrogatórios, e por ser algo que pode atrapalhar os planos ambiciosos de Janek de se enturmar com os ricos e poderosos, aos quais caiu nas graças.

Como é que, sendo uma criança, se cria laços com outra criança? Talvez seja simplesmente por meio de interesses em comum.
 

Enquanto Janek segue passo a passo o seu plano, Ludwik sonha em sair do país ao mesmo tempo que se depara com as dificuldades de quem não possui pessoas de referência para quebrar barreiras básicas como seguir com os seus estudos.

Um livro sobre amor, descobertas e opressão em um regime que não aceita protestos nem dá liberdade para que as pessoas façam suas próprias escolhas pessoais.

 

A escrita de Tomasz Jedrowski

Filho de pais poloneses, o escritor Tomasz Jedrowski nasceu na Alemanha e hoje mora na França. Nadando no escuro é o seu primeiro romance do autor, traduzido para mais de dez idiomas, a obra ganhou o Prêmio Polari de literatura LGBTQ+.

Narrado em primeira pessoa pelo personagem principal Ludwik Glowacki, Nadando no escuro permite ao leitor ter acesso aos pensamentos, memórias, sentimentos e reflexões de Ludwik.

Você nunca comparecia a aulas ou palestras, nunca precisou. Portanto, poderíamos muito bem nunca ter nos encontrado.
 

Se dividindo entre o tempo presente, onde ele vive a desejada liberdade, e o passado, onde as pessoas que amou e/ou cruzaram o seu caminho ficaram trazendo assim também os impactos da sua história nos dias de hoje, criando uma atmosfera que mistura o peso das escolhas com nostalgia.

 

O que eu achei de Nadando no escuro

Eu achei a escrita de Tomasz Jedrowski extremamente delicada e sensível. O amadurecimento e evolução do personagem Ludwik, que mesmo em meio a mágoa e as dificuldades, consegue manter os seus princípios, me encantou.

Além de ter que se adaptar as mudanças naturais, o personagem tem a preocupação a mais de viver em um país que o partido que governa decide o que é bom para a população e quem são os merecedores de uma vida diferenciada, o que já torna tudo difícil. Mas quando isso ganha um nível de preconceito absurdo, é preciso realmente ter coragem para romper as amarras e tentar seguir em frente.

Eu me sentia como um passarinho liberto da gaiola, assustado e exultante com o vazio diante de mim.
 

O que faz com que Nadando no escuro consiga ser múltiplo, pois se ele é um livro sobre autodescoberta e culpa pelo que se sente, a narrativa também é uma bonita história de amor e uma crítica ferrenha ao modelo socialista implantado na Polonia no pós segunda guerra mundial.

Colocando nas páginas não só a pobreza que a maior parte da população tem que se sujeitar, como os meios que precisam ser utilizados para quem quer mais do que sobreviver. Aqui muito bem representado pelo personagem Janek.

Tentei dizer que não significava nada, que não era real. E, ainda assim, eu já não conseguia mais olhar para você sem me sentir completamente drenado de quaisquer forças.
 

Nos fazendo lembrar que não existem sistemas perfeitos, mas que a liberdade de ser e escolher, desde que não faça mal ao próximo, deve sempre prevalecer.

E assim deixo a dica de um romance delicado e sensível, cujo peso e a força está nas escolhas e situações enfrentadas pelos personagens.

 

Nadando no escuro
Swimming in the dark
Tomasz Jedrowski
Tradução: Luiza Marcondes
TAG - astral cultural
2025 - 237 páginas
Primeira publicação em 2020

 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Era uma vez em Hollywood


Sinopse: A aguardada estreia de Quentin Tarantino na literatura é uma leitura de fôlego, com ritmo de humor e recheada de pérolas sobre a era de ouro do cinema. Em Era uma vez em Hollywood, Tarantino oferece uma vasta gama de detalhes que ampliam o universo dos personagens, criando desfechos inovadores, novos cenários e diferentes possibilidades para o filme vencedor de duas categorias do Oscar 2020 — uma delas, a de Melhor Ator Coadjuvante para Brad Pitt (Cliff Booth).



Rick Dalton já foi muito famoso por protagonizar uma série de faroeste para a TV, mas o seu ego o fez acreditar que conseguiria papeis muito melhores, e na Hollywood dos anos de 1960 ele é um ator em declínio que precisa da ajuda de um agente especializado para sair das participações especiais, o que pode significar fazer filmes em qualquer lugar.

Quem o acompanha é Cliff Booth, amigo, funcionário e dublê de Rick quando este consegue colocá-lo nos filmes. Ex-combatente de guerra, foi de herói da nação para um sujeito que nem sempre avalia bem as suas ações, além de ser suspeito de um crime que não o torna bem-vindo a todos os lugares.

Continue interpretando o saco de pancada para todo novato arrogante que surgir na emissora, e isso vai surtir um efeito psicológico na maneira como a audiência enxerga você.


Ambos acompanham a chegada de seus novos vizinhos, a bela e jovem atriz Sharon Tate e o famoso diretor de o Bebê de Rosemary Roman Polanski. Tate se divide entre a emoção de ver o seu rosto nos cartazes dos cinemas e os inúmeros eventos que é obrigada a comparecer junto com o marido.

No caminho dos dois também passam Charles Manson e seus seguidores, trazendo a memória um dos eventos que ajudaram a marcar a transição da era de ouro do cinema americano para uma série de mudanças.

Por outro lado, quando assistia a filmes estrangeiros, via nos atores um grau de autenticidade que simplesmente não existia no cinema de Hollywood.


Tudo no melhor estilo Tarantino, onde ficção e realidade se misturam, sem poupar o leitor de ironia, humor e crítica.


A escrita de Quentin Tarantino

O cineasta, roteirista, produtor, ator e sim, escritor norte-americano Quentin Tarantino é conhecido por seus filmes que misturam violência, cultura pop, diálogos recheados de críticas, ironias e verdades diretas, além é claro de humor negro.

E tudo isso se encontra no primeiro livro de Tarantino, baseado no filme roteirizado pelo próprio. Com a liberdade que só a escrita dá, ele se utiliza de uma narrativa não linear, onde é possível ter no presente vislumbres do passado e também do futuro, seja através de longos diálogos ou de fluxos de pensamentos dos personagens.

E ele gostou dela também, e não só porque ela era bonita. Ela era muito inteligente também - isso ficou evidente apenas com uma conversa casual.


Por ser um livro baseado nos anos de ouro de Hollywood, as páginas são recheadas de referências dos anos 1960, seja pelo de atores e filmes, seja através das músicas, dos locais e dos próprios acontecimentos.

Como em seus filmes, temos diálogos e detalhes que levam o leitor para junto dos personagens, tornando a narrativa tão vibrante e empolgante quanto os seus filmes, tornando a leitura das quase seiscentas páginas muito mais rápidas que alguns livros com menos de duzentas.


O que eu achei de Era uma vez em Hollywood

Ao pegar o livro com quase seiscentas páginas, jurava que ia levar uns três meses para ler o livro por completo, e já me preparava para intercalar com as leituras do grupo que faço parte.

Doce ilusão. A escrita de Tarantino é como seus filmes, difícil de abandonar. Cada capítulo convidava para ler mais um, em uma leitura que consegue não apenas levar para uma época que só ouvi falar, como me encantar com Sharon Tate e sentir calafrios com a trupe de hippies que deu fim ao seu sonho, mesmo o livro não descrevendo o terrível crime. 

A parte ruim de vomitar em si mesmo ao acordar de manhã é que você se sente um porco nojento e um patético derrotado.


A dupla Rick Dalton e Cliff Booth também facilitaram muito a minha vida, se Dalton me levou para dentro dos cenários cinematográficos ao mesmo tempo que mostra um lado muito humano ao ter que se adaptar as dificuldades atuais. Booth já tem uma dualidade e uma frieza que remetem as cenas mais violentas dos filmes de Tarantino.

E o detalhe de tudo é que não havia assistido ao filme, e após postar no Instagram do blog as leituras do mês de março, recebi uma pergunta justamente perguntando a relação dos dois. A curiosidade aumentou, eu segurei a publicação da resenha e fui procurar o filme.

É um dever do ator se esforçar para atingir cem por cento de eficácia. Naturalmente, nunca conseguimos chegar lá, mas essa busca é o que importa.


Depois de assistir ao filme, eu digo que os dois se complementam. Existem coisas no filme que não tem no livro e vice-versa, tornando as duas formas de arte interligadas, já que se por um lado o livro explica muito mais os personagens, por outro o filme dá toda a referência visual. E o final de ambos é diferente. E ambos muito bons.

No filme eu senti muita falta de maior participação da personagem Trudi/Mirabella, cujas cenas com Rick Dalton mostram todo o trabalho e esforço de ser um bom ator/atriz. 

Você está agindo como se eu fosse acordar amanhã de manhã e ir para uma escolinha. Eu vou trabalhar com você.


E achei curioso que como alguns detalhes são mais explorados no livro, como a política de recepção do ator principal de uma série aos atores convidados, estratégias utilizadas por diretores para provocar diferentes reações e o preconceito com o que é feito fora de uma bolha.

Então coloque a pipoca na panela, prepare o seu chá e faça uma sessão dupla pela tela e pelas páginas para retornar pelo olhar de Tarantino a Hollywood dos anos de 1960. Existe grandes chances de você gostar.


Era uma vez em Hollywood
Once upon a time in Hollywood
Quentin Tarantino
Tradução: André Czarnobai
intrínseca
2021 - 560 páginas
Primeira edição publicada em 2020

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Proclamem nas montanhas


Sinopse: Harlem, Nova York, década de 1930. John Grimes acorda no dia do seu aniversário de catorze anos e ninguém ao redor parece se lembrar da data. Apesar do entorno apático e por vezes violento, o protagonista não abandona seu otimismo. É então que ele percebe que a fé pode dar um novo rumo para a sua vida e decide mergulhar em uma profunda jornada espiritual.


A minha assinatura na TAG Curadoria em 2025 iniciou em janeiro com uma indicação do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, que escolheu Proclamem nas montanhas do autor norte-americano James Baldwin. Como mimo o já tradicional planner.

Proclamem nas montanhas se divide entre o presente e o passado. No tempo atual, ele cobre as 24 horas do dia do aniversário de John Grimes, onde nem todos parecem lembrar que o jovem está completando quatorze anos, enquanto ele mesmo, ao ser obrigado a ajudar na organização da igreja frequentada pela sua família, que terá uma cerimônia religiosa mais tarde, tem dúvidas quanto as próprias crenças.

Além disso há o seu irmão mais novo Roy, que com sua rebeldia e constante busca por problemas, sempre chama atenção do seu pai, Gabriel, que não esconde a preferência pelo filho, mesmo quando este faz coisas erradas.

Foi só na manhã do dia em que completou catorze anos que realmente começou a pensar nisso, e àquela altura já era tarde demais.


Nos flashbacks descobrimos a origem da família que é ao mesmo tempo muito religiosa e um tanto disfuncional, principalmente pelas atitudes do patriarca. Ao qual amores, hipocrisias e uma pitada de história é relatada por Gabriel, Elizabeth - mãe de John - que se abraçou a igreja após uma grande perda, e Florence, a irmã de Gabriel e uma mulher que é ao mesmo tempo muito independente e ressentida pela forma como foi se encaminhando a sua vida.

Tudo em um romance que explora principalmente o papel da religião nos laços familiares, nos conflitos internos, no perdão dos erros, na sexualidade e dentro da comunidade negra nos anos de 1930 nos Estados Unidos.


A escrita de James Baldwin

O norte-americano James Baldwin nasceu no Harlem em 1924, reconhecido por seus romances e ensaios, foi bastante participativo no movimento dos direitos civis, sendo considerado hoje um dos maiores escritores norte-americanos do século XX.

Através da escrita ele abordou assuntos como sexualidade, racismo, identidade, amor, injustiça social, religião e tudo o que cerca e determina a figura do ser humano.

Aquela longa estrada, sua vida, que ela seguia havia sessenta dolorosos anos, a levara por fim ao ponto de partida de sua mãe, o altar do Senhor.


E eles são a base de Proclamem nas montanhas, que além de ser o seu primeiro romance possui um toque autobiográfico, já que assim como John, James Baldwin não conheceu o pai, e seu padrasto era um membro constante da igreja, e conforme ele crescia, se distanciava das crenças.

Em relação à forma narrativa, em Proclame nas montanhas ele opta em utilizar a terceira pessoa com foco em quatro personagens. O que permite ao leitor uma visão ampliada da dinâmica familiar, assim como dos segredos e traumas que levaram os personagens até aquele dia.

Logo alguém voltaria a gritar, e as vozes recomeçariam; haveria música, e brados, e o som dos pandeiros.


Para esta última parte, o uso de flashbacks e de retorno do tempo foram fundamentais para entender principalmente os três personagens adultos, que inclusive possuem capítulos próprios para contarem um pouco da sua trajetória.

Em comum entre os quatro está a religião, que é uma mistura de quinto personagem e base do livro, já que sim, tudo se desenrola através das relações com ela, seja por conflitos espirituais, descrença ou orações e sermões.

Pensava nele agora, enquanto a cantoria e o choro prosseguiam a sua volta - e pensava o quanto o pai gostaria do neto, que era parecido com ele sob tantos aspectos.


O resultado deste conjunto é que o leitor será colocado vivenciando aquelas horas dentro da comunidade, permitindo assim que ele tenha as próprias ideias e opiniões sobre o que estava ocorrendo.


O que eu achei de Proclamem nas montanhas

Já havia ouvido falar sobre o escritor James Baldwin, mas não havia lido nada ainda. E isso me fez ter uma grande expectativa em relação ao livro que seria enviado.

Mas confesso que achei a parte do John bastante arrastada, a forma como os sermões, citações e experiências religiosas apareciam em sequência não me convidavam a ler mais uma página.

Terra balançava, transformando o espaço num vazio absoluto, levando o caos à ordem, ao equilíbrio, ao tempo.


Como a parte do John é autobiográfica, fiquei pensando se não foi isso que pesou um pouco na escrita, já que as vezes é mais fácil falar do que é ficção do que é real. Ou tenha sido uma forma do autor expurgar o que consumia sua mente a muito tempo. Enfim, minhas teorias, que de fato não tem nada. 

Em compensação os capítulos do Gabriel, da Elizabeth e da Florence eu achei muito mais interessante, a escrita também me parecia mais fluída e convidativa a entrar no passado dos três, cujas escolhas levaram todos até aquele dia.

Apavorado, começou a chorar e gemer - e esse som foi engolido, e, apesar disso, amplificado pelos ecos que enchiam a escuridão.


Também gostei da forma como Baldwin abordou o critério de algumas religiões de abraçar a todos, independente dos seus pecados, para que estes se tornem puros. Mas sem deixar de mostrar a hipocrisia dos que se intitulam escolhidos de seguirem praticando suas maldades, e achar que basta orar para tudo ser esquecido.

Na parte histórica, ele aborda no romance o fim da escravatura, a mãe de Gabriel e Florence foi uma escrava e é uma recém liberta, assim como o surgimento de grupos discriminatórios e a raiva que se sentia pelas pessoas de cor branca.

Pelo visto, não tem uma mulher neste mundo que não foi passada pra trás por um homem que não presta.


Em relação à parte familiar, ele aborda diferentes tipos de relação e seus conflitos, onde há o filho preferido, o filho abandonado, a rivalidade entre irmãos, a mágoa da mãe, o seguir caminhos que não se sente como seu.

Então sim, ele aborda inúmeros assuntos que são muito interessantes, mas infelizmente, no meu caso, o estilo narrativo não me conquistou. Mas como ele pode ganhar o seu coração, ou levar a várias reflexões - como aconteceu comigo - deixo aqui a dica.

Proclamem nas montanhas
Go tell it on the Mountain
James Baldwin
Tradução Paulo Henrique Britto
TAG - Companhia das Letras
2025 - 271 páginas
Publicado originalmente em 1953

sexta-feira, 28 de março de 2025

O Triste Fim de Policarpo Quaresma



Sinopse: Publicado inicialmente em folhetins no ano de 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance do período do Pré-Modernismo brasileiro. Por meio da vida tragicômica do major Quaresma, um nacionalista fanático, ingênuo e idealista, Lima Barreto revela as estruturas sociais e políticas do Brasil da Primeira República, enfocando os fatos históricos do governo de Floriano Peixoto.



Aproveitando que muitos clássicos podem ser baixados de graça para o Kindle, estava com o O Triste Fim de Policarpo Quaresma na minha lista de espera há algum tempo.

Confesso, sou uma leitora muito mais de livros físicos do que digitais. Mas nada como uma viagem longa e o desejo de não carregar muito peso para finalmente realizar a leitura.

O ingênuo Policarpo Quaresma é um major do exército extremamente nacionalista, que vive na então capital Rio de Janeiro na virada do século XIX para XX.

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo.


A mistura de ingenuidade e patriotismo faz com que ele tenha ideias mirabolantes, como após se dedicar ao estudo do tupi-guarani resolver torna-la a nova língua oficial do Brasil, substituindo o português.

A criação de memorandos e mal-entendidos na língua indígena fazem ele ser internado em um manicômio, para tratar a sua excentricidade.

Um violão em casa tão respeitável! Que seria?


Liberto, ele se dedica a estudar agricultura, e acaba se mudando com a irmã e seu fiel empregado para um sítio, onde a diferença entre teoria e prática irão desafiar a sua teimosia. Enquanto de bônus precisa se livrar das intrigas da política local.

E então ocorre a eclosão da Revolta da Armada, onde Policarpo retorna a capital como voluntário, sem saber que novas decepções o aguardam.

Podia-se afiançar que nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta pra lá faltava na estante do major.


Tudo em uma escrita que mistura humor, críticas a sociedade da época, e uma dose de tristeza ao ver que há tempos o Brasil que abriga uma criatividade imensa, não tem espaço para os ingênuos e sonhadores.


A escrita de Lima Barreto

O carioca Afonso Henriques de Lima Barreto foi um renomado escritor e jornalista no período pré-modernista, cujas obras se tornaram clássicos da literatura brasileira. 

Sua escrita tem como característica retratar críticas sociais, populações marginalizadas, e outras mazelas que acompanham esta república federativa desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro.

Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro.


Algo plenamente encontrado em O Triste Fim de Policarpo Quaresma, onde as situações que as vezes parecem um tanto sem noção, revelam pelo humor situações esdrúxulas da sociedade e da burocracia do sistema.

Tornando a leitura da escrita de Lima Barreto não apenas fluída, mas que nos move não só a acompanhar seus personagens, como comparar com os dias atuais.


O que eu achei de O Triste Fim de Policarpo Quaresma

Para quem acredita que todo clássico brasileiro é chato e entediante, o livro de Lima Barreto é mais um que contraria esta fama.

Eu achei a leitura bastante fluída, as várias reviravoltas na vida do personagem me levavam a imaginar se será que era aquela nova ideia que levava ao título, pois é impossível não ficar pensando nele, para ao final realmente me sentir triste com fim dele.

Na vida, para ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia.


E ao mesmo tempo ficada a torcida para que o título fosse uma brincadeira, pois Policarpo Quaresma é um homem gentil e educado, que não se nega a ajudar os outros, que adora ler, e com uma ingenuidade que não o permite reconhecer todas as situações nem analisar a reação dos demais as suas ideias.

Somado a isso se tem um retrato da sociedade brasileira da época, ao qual me provocou a fazer um paralelo com os tempos atuais e pensar o que evoluiu e o que não mudou tanto assim.

A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo e o seu grande amor à pátria eram agora ativos e impeliram-no a grandes cometimentos.


Pois no livro é possível divagar sobre política, nacionalismo, feminismo, corrupção, injustiça, conhecimento, amizades e fidelidade ao que se acredita.

Tornando a leitura não só convidativa, mas também provocativa e bem escrita, fazendo valer a leitura. Ficando aqui a minha dica para quem gosta de bons livros.


O Triste Fim de Policarpo Quaresma
Lima Barreto
E-book Penguin-Companhia
2011 - 396 páginas
Publicação em folhetins: 1911
Publicação em livro: 1915


quinta-feira, 20 de março de 2025

Os Malaquias


Sinopse: Após perderem os pais, os irmãos Nico, Júlia e Antônio veem-se diante de nova realidade. O mais velho, ainda criança, passa a trabalhar na fazenda de um poderoso da região; a menina, por sua beleza, é adotada e levada para outra cidade; o caçula, um garoto que não cresce, é acolhido pelas freiras do orfanato. Romance de estreia de Andréa del Fuego, Os Malaquias recebeu em 2011 uma das mais prestigiosas honrarias da literatura, o prêmio José Saramago. Um tributo fascinante à memória, à família, à vida e à humanidade de cada um de nós.



No mês de dezembro recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Os Malaquias, da autora brasileira Andréa Del Fuego. A indicação foi da escritora e roteirista Morgana Kretzmann. E o mimo foi um calendário, já tradicional do mês.

Na comunidade de Serra Morena um raio atinge a casa dos Malaquias, levando a morte os pais de três crianças: Nico, Júlia e Antônio. 

Debaixo da construção a terra, de carga negativa, recebeu o raio positivo de uma nuvem vertical.


Da mesma forma que dividem os bens da família, as pessoas próximas também dividem as crianças. Nico, mais velho e mais forte, vira empregado em uma fazenda.

Os dois mais novos são enviados para um orfanato de feiras e Júlia logo é adotada por uma mulher que parece levar uma vida próspera.

Deixou que a garganta inflamasse até o limite possível, assim ele não trabalharia debaixo do sol.


Enquanto isso, Antônio, que não cresce, segue sua vida no orfanado, fazendo duas travessuras e sendo cuidado pelas freiras.

Mostrando o destino de cada um dos irmãos, a autora aborda assuntos relevantes, ao mesmo tempo que coloca o fantástico para quebrar toda a crueldade e dureza que eles encontram ao longo do caminho.


A escrita de Andréa Del Fuego

Os Malaquias é o primeiro romance da escritora e psicóloga Andréa del Fuego. Nascida em São Paulo sua escrita contemporânea costuma explorar as complexidades do ser humano.

Algo facilmente identificado em Os Malaquias, cuja a mistura do fantástico com uma escrita que se alterna em diferentes tempos e perspectivas conforme o personagem que recebe o foco.

As irmãs francesas estavam em missão católica na pequena cidade, gostavam de crianças enquanto elas cresciam e repetiam ensinamentos.


Pois ao abordar a história dos três irmãos, a história está em constante movimento, seja relatando fatos que estão ocorrendo, seja através de monólogos internos, o que permite ao leitor viver um pouco das emoções sentidas pelos personagens.

Tornando a narrativa envolvente, de forma que desperta a continuar a ler mais uma página, enquanto se tenta refletir sobre os assuntos abordados e diferenciar o que é real e o que é imaginação.


O que eu achei de Os Malaquias 

Ao misturar assuntos que podem mexer com o psicológico do leitor com o fantástico, Os Malaquias já atraiu a minha atenção desde as primeiras páginas.

Logo de cara ela aborda a perda que vai além das figuras de referência como o pai e a mãe, mas de tudo o que é sinônimo de segurança para as crianças, que é a própria casa e convivência com os irmãos. Existe uma crueldade por demais realistas nos bens materiais buscados por pessoas próximas e o abandono total dos três.

No quartinho ainda havia um guarda-roupa, um rádio de pilha e atrás da porta uma tábua de passar roupa.


Para a seguir chegarmos no trabalho infantil, dois dos irmãos são colocados para realizarem trabalhos braçais, sem que haja interesse pela educação deles. Sendo que em um dos casos a hipocrisia pode despertar um sentimento de raiva em quem está lendo. Ironicamente, o mais bem cuidado é o que fica no orfanato.

Há também a questão ambiental, quando uma hidrelétrica coloca parte da comunidade embaixo da água, temos um retrato não só de como o fato afeta as pessoas diretamente atingidas, mas também o aspecto econômico e o primeiro contato com uma novidade chamada luz, ao qual nenhum de nós consegue viver nos dias de hoje. Aqui temos a questão do apego por quem não tem direito a opinar sobre mudanças que afetam diretamente a sua vida, e o custo que isso pode ter para quem tenta resistir.

A casa dos Malaquias não ficou sozinha, vizinhos apanharam os pertences da família.


Tudo em uma escrita muito fluída, que conseguiu me aproximar não só dos personagens como do local em si. Onde reflexões e questionamentos andaram lado a lado enquanto eu acompanhava o crescimento de Nico, Júlia e Antônio.

E ao saber que a história foi inspirada em antepassados da escritora, mais surpreendente e interessante eu achei a história, o que me fez ficar com aquela interrogação até hoje do que foi real e do que foi imaginação.

Ficando a dica para quem acompanha o blog.


Os Malaquias
Andréa del Fuego
TAG - Companhia das Letras
2024 - 182 páginas
Publicado pela primeira vez em 2010