sexta-feira, 28 de março de 2025

O Triste Fim de Policarpo Quaresma



Sinopse: Publicado inicialmente em folhetins no ano de 1911, Triste fim de Policarpo Quaresma é um romance do período do Pré-Modernismo brasileiro. Por meio da vida tragicômica do major Quaresma, um nacionalista fanático, ingênuo e idealista, Lima Barreto revela as estruturas sociais e políticas do Brasil da Primeira República, enfocando os fatos históricos do governo de Floriano Peixoto.



Aproveitando que muitos clássicos podem ser baixados de graça para o Kindle, estava com o O Triste Fim de Policarpo Quaresma na minha lista de espera há algum tempo.

Confesso, sou uma leitora muito mais de livros físicos do que digitais. Mas nada como uma viagem longa e o desejo de não carregar muito peso para finalmente realizar a leitura.

O ingênuo Policarpo Quaresma é um major do exército extremamente nacionalista, que vive na então capital Rio de Janeiro na virada do século XIX para XX.

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo.


A mistura de ingenuidade de patriotismo faz com que ele tenha ideias mirabolantes, como após se dedicar ao estudo do tupi-guarani resolver torna-la a nova língua oficial do Brasil, substituindo o português.

A criação de memorandos e mal-entendidos na língua indígena fazem ele ser internado em um manicômio, para tratar a sua excentricidade.

Um violão em casa tão respeitável! Que seria?


Liberto, ele se dedica a estudar agricultura, e acaba se mudando com a irmã e seu fiel empregado para um sítio, onde a diferença entre teoria e prática irão desafiar a sua teimosia. Enquanto de bônus precisa se livrar das intrigas da política local.

E então ocorre a eclosão da Revolta da Armada, onde Policarpo retorna a capital como voluntário, sem saber que novas decepções o aguardam.

Podia-se afiançar que nem um dos autores nacionais ou nacionalizados de oitenta pra lá faltava na estante do major.


Tudo em uma escrita que mistura humor, críticas a sociedade da época, e uma dose de tristeza ao ver que há tempos o Brasil que abriga uma criatividade imensa, não tem espaço para os ingênuos e sonhadores.


A escrita de Lima Barreto

O carioca Afonso Henriques de Lima Barreto foi um renomado escritor e jornalista no período pré-modernista, cujas obras se tornaram clássicos da literatura brasileira. 

Sua escrita tem como característica retratar críticas sociais, populações marginalizadas, e outras mazelas que acompanham esta república federativa desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro.

Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era antes de tudo brasileiro.


Algo plenamente encontrado em O Triste Fim de Policarpo Quaresma, onde as situações que as vezes parecem um tanto sem noção, revelam pelo humor situações esdrúxulas da sociedade e da burocracia do sistema.

Tornando a leitura da escrita de Lima Barreto não apenas fluída, mas que nos move não só a acompanhar seus personagens, como comparar com os dias atuais.


O que eu achei de O Triste Fim de Policarpo Quaresma

Para quem acredita que todo clássico brasileiro é chato e entediante, o livro de Lima Barreto é mais um que contraria esta fama.

Eu achei a leitura bastante fluída, as várias reviravoltas na vida do personagem me levavam a imaginar se será que era aquela nova ideia que levava ao título, pois é impossível não ficar pensando nele, para ao final realmente me sentir triste com fim dele.

Na vida, para ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia.


E ao mesmo tempo ficada a torcida para que o título fosse uma brincadeira, pois Policarpo Quaresma é um homem gentil e educado, que não se nega a ajudar os outros, que adora ler, e com uma ingenuidade que não o permite reconhecer todas as situações nem analisar a reação dos demais as suas ideias.

Somado a isso se tem um retrato da sociedade brasileira da época, ao qual me provocou a fazer um paralelo com os tempos atuais e pensar o que evoluiu e o que não mudou tanto assim.

A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo e o seu grande amor à pátria eram agora ativos e impeliram-no a grandes cometimentos.


Pois no livro é possível divagar sobre política, nacionalismo, feminismo, corrupção, injustiça, conhecimento, amizades e fidelidade ao que se acredita.

Tornando a leitura não só convidativa, mas também provocativa e bem escrita, fazendo valer a leitura. Ficando aqui a minha dica para quem gosta de bons livros.


O Triste Fim de Policarpo Quaresma
Lima Barreto
E-book Penguin-Companhia
2011 - 396 páginas
Publicação em folhetins: 1911
Publicação em livro: 1915


quinta-feira, 20 de março de 2025

Os Malaquias


Sinopse: Após perderem os pais, os irmãos Nico, Júlia e Antônio veem-se diante de nova realidade. O mais velho, ainda criança, passa a trabalhar na fazenda de um poderoso da região; a menina, por sua beleza, é adotada e levada para outra cidade; o caçula, um garoto que não cresce, é acolhido pelas freiras do orfanato. Romance de estreia de Andréa del Fuego, Os Malaquias recebeu em 2011 uma das mais prestigiosas honrarias da literatura, o prêmio José Saramago. Um tributo fascinante à memória, à família, à vida e à humanidade de cada um de nós.



No mês de dezembro recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro Os Malaquias, da autora brasileira Andréa Del Fuego. A indicação foi da escritora e roteirista Morgana Kretzmann. E o mimo foi um calendário, já tradicional do mês.

Na comunidade de Serra Morena um raio atinge a casa dos Malaquias, levando a morte os pais de três crianças: Nico, Júlia e Antônio. 

Debaixo da construção a terra, de carga negativa, recebeu o raio positivo de uma nuvem vertical.


Da mesma forma que dividem os bens da família, as pessoas próximas também dividem as crianças. Nico, mais velho e mais forte, vira empregado em uma fazenda.

Os dois mais novos são enviados para um orfanato de feiras e Júlia logo é adotada por uma mulher que parece levar uma vida próspera.

Deixou que a garganta inflamasse até o limite possível, assim ele não trabalharia debaixo do sol.


Enquanto isso, Antônio, que não cresce, segue sua vida no orfanado, fazendo duas travessuras e sendo cuidado pelas freiras.

Mostrando o destino de cada um dos irmãos, a autora aborda assuntos relevantes, ao mesmo tempo que coloca o fantástico para quebrar toda a crueldade e dureza que eles encontram ao longo do caminho.


A escrita de Andréa Del Fuego

Os Malaquias é o primeiro romance da escritora e psicóloga Andréa del Fuego. Nascida em São Paulo sua escrita contemporânea costuma explorar as complexidades do ser humano.

Algo facilmente identificado em Os Malaquias, cuja a mistura do fantástico com uma escrita que se alterna em diferentes tempos e perspectivas conforme o personagem que recebe o foco.

As irmãs francesas estavam em missão católica na pequena cidade, gostavam de crianças enquanto elas cresciam e repetiam ensinamentos.


Pois ao abordar a história dos três irmãos, a história está em constante movimento, seja relatando fatos que estão ocorrendo, seja através de monólogos internos, o que permite ao leitor viver um pouco das emoções sentidas pelos personagens.

Tornando a narrativa envolvente, de forma que desperta a continuar a ler mais uma página, enquanto se tenta refletir sobre os assuntos abordados e diferenciar o que é real e o que é imaginação.


O que eu achei de Os Malaquias 

Ao misturar assuntos que podem mexer com o psicológico do leitor com o fantástico, Os Malaquias já atraiu a minha atenção desde as primeiras páginas.

Logo de cara ela aborda a perda que vai além das figuras de referência como o pai e a mãe, mas de tudo o que é sinônimo de segurança para as crianças, que é a própria casa e convivência com os irmãos. Existe uma crueldade por demais realistas nos bens materiais buscados por pessoas próximas e o abandono total dos três.

No quartinho ainda havia um guarda-roupa, um rádio de pilha e atrás da porta uma tábua de passar roupa.


Para a seguir chegarmos no trabalho infantil, dois dos irmãos são colocados para realizarem trabalhos braçais, sem que haja interesse pela educação deles. Sendo que em um dos casos a hipocrisia pode despertar um sentimento de raiva em quem está lendo. Ironicamente, o mais bem cuidado é o que fica no orfanato.

Há também a questão ambiental, quando uma hidrelétrica coloca parte da comunidade embaixo da água, temos um retrato não só de como o fato afeta as pessoas diretamente atingidas, mas também o aspecto econômico e o primeiro contato com uma novidade chamada luz, ao qual nenhum de nós consegue viver nos dias de hoje. Aqui temos a questão do apego por quem não tem direito a opinar sobre mudanças que afetam diretamente a sua vida, e o custo que isso pode ter para quem tenta resistir.

A casa dos Malaquias não ficou sozinha, vizinhos apanharam os pertences da família.


Tudo em uma escrita muito fluída, que conseguiu me aproximar não só dos personagens como do local em si. Onde reflexões e questionamentos andaram lado a lado enquanto eu acompanhava o crescimento de Nico, Júlia e Antônio.

E ao saber que a história foi inspirada em antepassados da escritora, mais surpreendente e interessante eu achei a história, o que me fez ficar com aquela interrogação até hoje do que foi real e do que foi imaginação.

Ficando a dica para quem acompanha o blog.


Os Malaquias
Andréa del Fuego
TAG - Companhia das Letras
2024 - 182 páginas
Publicado pela primeira vez em 2010


sexta-feira, 7 de março de 2025

Uma travessia por perturbações


A coletânea com vinte contos foi elaborada pela TAG Experiências literárias e enviada como mimo em seu mês de aniversário. Todos os contos são curtos, alguns curtíssimos, mas com uma dose grande de crítica, reflexão e densidade. Abaixo relaciono cada um deles.


O povoado vizinho: um micro conto sobre o tempo, a vida, suas expectativas e a morte.

Um relato a uma academia: Peter é um macaco que após ser capturado, aprende a se comportar como um ser  humano. Cinco anos depois, ele apresenta um relatório para a Academia para relatar a sua transformação.

Essa realização teria sido impossível se eu tivesse me agarrado teimosamente às minhas origens, às memórias da juventude. 


Um artista da fome: um homem se torna uma das principais atrações em circos e feiras por sua habilidade de jejuar por longos períodos. Mas o tempo passa e a curiosidade do público também, fazendo com que o artista busque formas de atrair novamente o interesse.

O novo advogado: neste conto Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande, se torna um advogado para se adaptar as constantes mudanças do mundo.

 Ele faz muitas tentativas de ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos.


Diante da lei: publicado inicialmente como parte de O Processo, conta a história de um homem do campo que deseja passar por um portão que guarda a lei, mas um porteiro o impede de entrar e assim ele passa a esperar.

O passageiro: em uma plataforma para pegar um bonde elétrico um passageiro que se encontra incerto de seu lugar no mundo começa a divagar sobre uma moça que se prepara para descer do bonde que está chegando.

 Estou de pé na plataforma do bonde elétrico e totalmente incerto em relação a meu lugar neste mundo, nesta cidade, em minha família.


Volta ao lar: um filho retorna a casa do pai, mas antes de bater porta começa a levantar inúmeras questões sobre as relações que possui com os que ali estão.

Na galeria: uma bela amazona se apresenta no circo e um dos expectadores começa a especular as reações e percepções sobre o que ocorre e como elas seriam em um cenário diferente.

 Cheguei. Quem me receberá? Quem espera atrás da porta da cozinha?


A partida: um homem tem pressa em sair do lugar onde está.

O timoneiro: após uma noite inteira ao timão, um homem é questionado por um estranho sobre se aquela é realmente a sua função. Sem o apoio da tripulação, ele se sente confuso.

Que tipo de gente é essa? Pensam também ou se arrastam sem razão de ser pela Terra?


O silêncio das sereias: Odisseu acredita ter tomado as medidas necessárias para se proteger do canto das sereias, mas o que ele não sabia era que o silêncio é muito mais poderoso.

Poseidon: o famoso deus grego encontra-se entediado e sobrecarregado de inúmeras tarefas burocráticas.

 Dessa fria arrogância, você sabe, não surgem quaisquer fagulhas de entendimento.


Chacais e árabes: um europeu está acampando com os árabes em pleno deserto, e ao esquecer de abastecer a fogueira é cercado por chacais que tem um estranho pedido a fazer.

O abutre: um homem tem os seus pés atacados por um abutre e não consegue se livrar do animal, sentindo-se indefeso.

 Nem tudo se cumpre, nem todo sonho em flor amadurece, seus terríveis restos jazem aqui, já indiferentes ao pontapé. 


O fratricídio: em um conto de suspense temos o assassinato de Wese por Schmar, um homem frio que estava determinado a praticar o crime, e a testemunha que assistiu a tudo

Um sonho: Josef K. sonhou que queria passear em um dia bonito, mas logo se viu caminhando em um cemitério.

 Que se veja o poder persuasivo do ar depois da tempestade.


Desista!: ao se descobrir atrasado, o narrador não sabe mais qual caminho tomar.

O caminho para casa: durante uma caminhada noturna de volta para casa, o narrador sente a escuridão e o silêncio ampliando a sensação de isolamento que ele tem.

 Eu havia dito até então tantas saídas e, então, mais nenhuma.


Pequena fábula: um rato sente o seu medo mudar, se antes era a amplitude do mundo, agora é o seu estreitamento.

Desejo de se tornar índio: o narrador vê na figura do índio a liberdade que ele anseia.

 

A escrita de Franz Kafka

Um dos maiores nomes da literatura, Franz Kafka (1883-1924) nasceu na cidade de Praga em uma família judia classe média. Sofreu de tuberculose por quase toda a sua curta vida, mas isto não o impediu de transformar a opressão paterna, a angústia existencial, e suas críticas a burocracia e a alienação do ser humano em histórias.

Em suas obras Franz Kafka questiona as regras e expectativas que temos ao viver em sociedade, e a solidão e o isolamento que isto pode nos impor. Muitas vezes expondo contradições e hipocrisias.

Sobre os seus protagonistas, não raro se identifica o seu desconforto, a busca por sobrevivência, validação ou admiração. Sentimentos como angústia e frustração também estão presentes em suas páginas, assim como a busca de um propósito de difícil acesso, dando um aspecto entre o sombrio e melancólico em seus contos.

O escritor também utiliza de metáforas e parábolas em alguns momentos , seja para criar comparações entre passado e futuro, seja para escreve sobre um mundo que está em constante mudança desde sempre, ou simplesmente para deixar que o leitor dê a as próprias interpretações.

Outra constante é a lei, como em seu livro O Processo, ela está presente em mais de um conto, sendo uma crítica a sua burocracia e a dificuldade de acesso a ela pelas pessoas que precisam.

Tudo usando uma linguagem mais ácida que convida o leitor mais atendo a reflexão sobre o que é ser humano, em textos que vão do existencialismo ao questionamento sobre o funcionamento da sociedade.

E para isso nem os mitos serão poupados de enfrentarem situações diferentes das que encontramos nas lendas e literatura.

 

O que eu achei de Uma travessia por perturbações

O primeiro livro que li de Franz Kafka foi O Processo, que já havia chamado a minha atenção por toda crítica ao sistema como um todo. Recentemente tive a oportunidade de ler A metamorfose em uma versão quadrinhos, onde o fantástico entra cheio de simbolismo.

Dos contos listados eu só conhecia Um artista da fome, ao qual segue me impacto cada vez que leio e que segue muito atual, só que agora as coisas mais absurdas para chamar a atenção acontecem nas redes sociais, e não mais no circo.

Algo que se reflete também nos demais dezenove contos deste livro. Já que a escrita atemporal de Kafka nos mostra que a nossa evolução é muito mais tecnológica do que humana.

Um fato curioso sobre os contos de Franz Kafka é que eles podem ser curtos, até mesmo curtíssimos - ocupando menos de uma página em alguns casos-, mas não podem ser descritos como leves e fáceis.

 Alguns, como A partida, deixam mais dúvidas do que respostas, exigindo um tempo para reflexão ou até mesmo uma pequena pesquisa para uma melhor compressão das palavras do autor.

 Não sendo exatamente um livro para se devorar um conto atrás do outro, já que não raro algumas coisas precisavam de tempo para serem melhor assimiladas. Pelo menos no meu caso.

 E como eu gosto muito do autor, e gosto mais ainda de contos, deixo essa dica para vocês. Como não sei se foi colocado à venda, fica naquele acaso para quem frequenta sebo e se deparar com o exemplar.

 

Uma travessia por perturbações - 20 contos
Franz Kafka
Organização e tradução: Bruno Gambarotto
TAG - 2024
125 páginas

 

 

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Luzes do Sul




Sinopse: Depois do sucesso de A livraria mágica de Paris, O maravilhoso bistrô francês e O livro dos sonhos, Nina George nos presenteia com uma história mágica, encantadora e emocionante em Luzes do Sul, o “livro dentro do livro” A livraria mágica de Paris. Mais uma bela homenagem a livros e leitores.


No mesmo dia em que a Morte leva sua avó, a bebê Marie-Jeanne, que já era órfã de pai e mãe, toca o Amor em um momento que este está distraído. Um ato que mudara para sempre a vida da menina.

Ambientado nos anos de 1960 em Nyons no sul da França, Luzes do Sul conta a história de Marie-Jeanne Claudel, uma jovem com o poder de ver o amor literalmente, assim como as ligações das pessoas que combinam entre si, o que poderíamos talvez chamar de almas gêmeas. 

Houve anos em que duvidei de mim mesmo, do sentido e da força das minhas ações; foi aí que quase perdi as esperança.


Adotada por um comerciante e uma cozinheira, ela só irá descobrir o seu dom quando o seu pai monta uma biblioteca itinerante, chamada de Philis, cuja intenção é fazer com que livros cheguem aos moradores dos campos, que pela distância não possuem fácil acesso a biblioteca ou livrarias.

Ao ajudar o pai a percorrer diferentes caminhos e levar os livros onde até aquele momento eles não chegavam, ela irá conhecer outras pessoas, e assim, uma jornada de compartilhamento e descobertas se inicia.

O coração se parte, uma, duas vezes, repetidamente, e vocês se esforçam ao máximo para colar a xícara com cuidado, para viver as feridas, embelezá-las com esperança e lágrimas.


E ao mesmo tempo que Marie-Jeanne tenta descobrir como usar o seu dom, ela também precisa administrar as suas consequências.


A escrita de Nina George

A autora e jornalista alemã Nina George já publicou diversos romances, mistérios e também obras de não ficção. Sua obra mais conhecida é a Livraria mágica de Paris, traduzida em várias línguas, se tornou um best-seller.

Tem como característica nas suas narrativas abordar temas como amor, perda, autodescoberta e literatura. Tudo em uma escrita meio poética, meio intimista, que convida o leitor a se apaixonar pelos seus personagens e viver junto com eles cada página.

Nunca antes uma pessoa foi capaz de segurar o Amor. Muito menos me viu, meu ser, minha personalidade, meu rosto, minha forma.


No caso de Luzes do sul há um detalhe especial. Pois é o livro citado dentro da Livraria mágica de Paris e escrito com o pseudônimo de Sanary. Mas como ocorrem em outras obras de outros autores, este livro não existia na vida real.

E foi atendendo ao pedido de diversos leitores que Nina George tornou o livro real, com o nome dela como escritora, naturalmente. e tendo o Amor como o narrador onisciente da história, sendo responsável por mostrar o caminho a ser percorrido pelas páginas e as conexões.

Não são os livros o último lugar no planeta onde se encontram pessoas e épocas, paisagens e sentimentos que, de outra forma, raramente se encontrariam?


Por ser o amor, a narrativa acaba tendo um toque poético e também filosófico, já que as relações, principalmente as românticas, são bastante discutidas.

O realismo mágico também é utilizado para criar a atmosfera das conexões entre as pessoas, conexões essas que são enxergadas apenas pelo Amor e pela protagonista da história Marie-Jeanne.

A Paixão e o Medo olharam os livros em chamas, e neles havia um ar de submissão.


No geral é uma escrita bastante leve, que possibilita ao leitor refletir sobre os seus próprios sentimentos em relação as pessoas próximas e as suas atitudes.


O que eu achei de Luzes do Sul

Eu sou uma das fãs de Livraria mágica de Paris, a escrita e a história ganharam o meu coração e me fizeram procurar outros livros da autora.

Mas as Luzes do sul não me encantou tanto, o que me deixou em um primeiro momento um pouco triste, já que a minha expectativa era bastante alta.

A escrita nunca se mantém igual, ela é um reflexo da vida. Nossa escrita sofre conosco.


Narrado pelo Amor, a história começa triste e envolvente, mas com o tempo, as seções que vinham indicadas por uma mãozinha, me lembravam longas notas de rodapé.

E isso, para mim, tirou a fluidez da leitura. E mesmo quando explicava o passado, por irromper o presente muitas vezes, tornava a leitura, na minha opinião, um pouco mais arrastada, as vezes quase superficial.

Assim, os livros eram a última magia antiga: tornavam visíveis realidades ocultas.


Por outro lado, a ideia no geral é muito boa. Primeiro por tornar real o livro citado no maravilhoso A livraria mágica de Paris. Segundo, porque temos todos os tipos de amor romântico. O que não se permite expor, o jovem, o de espera, o após viver muitas coisas, e também o não amor.

Após o término, quando são incluídas partes escritas que ficaram fora da história, fiquei pensando se a narrativa não ganharia um plus a mais se outros narradores como lógica, coragem e destino não travassem discussões sobre os acontecimentos.

O brilho não fazia distinção entre quem era simpático ou antipático, bonito ou feio, bom ou mau. 


Eu finalizei a leitura com um misto de sentimentos e reflexões de como tenho lidado com o amor. E por isso deixo a recomendação aqui.


Luzes do Sul
Südlichter
Nina George
Tradução: Petê Rissatti
Editora Record
2022 - 237 páginas
Publicado originalmente em 2019


sábado, 15 de fevereiro de 2025

Este Lado de Providence



Sinopse: Arcelia Perez fugiu de Porto Rico para escapar de um casamento fracassado e de um histórico de abusos, mas em vez de encontrar seu pedaço do "sonho americano", acabou do lado errado de Providence. Apesar dos três filhos pequenos, Arcelia segue um caminho que a leva à prisão e a uma agonizante abstinência de drogas. Mas o verdadeiro desafio surge quando ela é libertada e deve descobrir como permanecer limpa e reunir a família que se desfez em sua ausência. Esta poderosa história de esperança e redenção revela o lado obscuro de uma cidade simpática, onde mesmo as realidades mais sombrias não podem destruir os laços entre mãe e filhos. 

No mês de novembro/24 recebei pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora Julia Dantas (que já apareceu aqui no blog com seu livro Ela se chama Rodolfo) Este Lado de Providence da escritora norte-americana Rachel M. Harper. O mimo foi um delicioso alfajor.



Arcelia Perez vive em um bairro pobre de Providence com os seus três filhos: Cristo, Luz e Trini. Viciada em drogas, só consegue ficar limpa ao ser presa, deixando as crianças sozinhas.

Cristo é o mais velho, com comportamento rebelde, tem as professoras, em especial Srta. Valentín, que junto com um homem apelidado de Snowman, que atuam como anjos da guarda do menino. Cada um, a sua maneira, busca formas de estimular o menino, que cedo precisa arrumar dinheiro para casa, a se motivar a estudar e aproveitar um pouco da infância.

Não sou uma arma, mas às vezes me sinto como uma bala. Rápida. Imparável. Mortal.


Luz é a do meio, menina dedicada aos estudos, adora ler e sonha em ter um futuro melhor. apesar da pouca idade, não é mais inocente a ponto de não enxergar a toxidade de viver com a sua mãe.

Quem completa o trio é a bebê Trini, uma criança sorridente e a única com um pai vivendo na mesma cidade que ela.

Ouço muitas histórias na rua, mas vou contar esta porque é minha e é a única que sei de cor.


E é neste misto de maternidade, pobreza, racismo, vícios, medo, violência, esperança e até mesmo resistência que Este lado de Providence convida o leitor a conhecer a família Perez sem romantizar nenhum dos assuntos.


A escrita de Rachel M. Harper

Conhecida por explorar temas como família, raça e identidade, a autora norte americana Rachel M. Harper tem três romances aclamados pela crítica e se tornou uma das vozes de referência na literatura contemporânea.

Indicado o Ernest J. Gaines Award for Literary Excellence, um prestigioso prêmio literário que reconhece obras de ficção excepcionais de autores afro-americanos, Este lado de Providence aborda os três temas de forma sensível, sem julgamento, permitindo que cada personagem conte a sua história e conquiste, ou não, a empatia de quem o lê.

Se você tem imaginação e já viveu o bastante, vai acabar quebrando uma regra ou outra.


Pois ela utiliza uma narrativa multifocal com primeira pessoa, permitindo ao leitor ter a perspectiva por diferentes olhares, saber os conflitos e impactos das ações e acontecimentos na vida de cada um, tornando a história complexa e próxima ao mesmo tempo.

Tudo utilizando uma linguagem clara e sensível, podendo em alguns momentos ser quase poética e em outros crua e direta. Mas sem clichês ou apontar se o personagem está certo ou errado.

Uma boa professora não deve ter queridinho, por isso acho que não tenho sido uma boa professora.


O questionamento fica para o leitor, o que torna a leitura uma experiência particular para cada um que abrir o livro.


O que eu achei de Este lado de Providence

Achei livro Este lado de Providence triste, mas longe de ser irreal.

Quando os adultos erram além dos limites normais, entregando-se aos seus vícios e paixões, quem paga o maior preço por suas faltas são justamente os filhos. Uma verdade absoluta nas ruas e nas páginas.

Saio da cozinha e tento esquecer a fome. O sol bate com força no quarto, então nem preciso acender a luz.


Então sim, foi doloroso acompanhar a vida das crianças desta história, principalmente de Cristo e Luz, que possuíam mais consciência do que estava acontecendo. Gerando em mim uma angústia constante de quem iria socorre-los.

A forma como eles encaram cada situação, como se protegem, e suas reações em relação as escolhas da mãe surpreendem. Pois apesar de tudo, são crianças amorosas, cuja maturidade chega cedo demais e ao mesmo tempo dão um toque de esperança a narrativa.

Estou bonita, como uma modelo de revista, e pareço quase crescida. Afinal, desde hoje cedo tenho 10 anos.


O que tornou para mim muito difícil ter empatia pela personagem Arcelia. Sim, há situações adversas na vida desta mulher, mas também a escolhas, e ela insiste em repetir os mesmos erros a cada nova chance. Mais do que precisar de ajuda, ela precisa querer ser ajudada.

Uma mãe que coloca crianças no mundo, mas não assume nenhuma responsabilidade. Agarrada ao passado sombrio, deixa abertas as portas para que os filhos sofram o mesmo tipo de violência e acabem no mesmo mundo que ela.

Em algum momento de julho, uma mentora diz que faz quarenta e cinco dias que estou limpa. Pergunto se isso vale alguma coisa, já que não foi por escolha.


Falando em escolhas e responsabilidades, gostei muito dos personagens que não são tão secundários assim e preenchem justamente o vazio de Arcelia. 

A Srta. Valentín, uma professora que está sempre de olho em Cristo, que também tem um passado que lhe provoca dor e compulsão pela comida, despertando o ciúmes na mãe das crianças, por achar que a outra mulher se intromete demais.

Mesmo com sol algumas coisas passam despercebidas. Mesmo no verão, quando os dias são longos, algumas coisas simplesmente não são iluminadas.


E tem o ambíguo Snowman, um negro albino que se movimenta pelo bairro a princípio como o dono dos imóveis locados na região, que mostra como todo o ser humano pode ser bom e ao mesmo tempo não ser uma pessoa correta.

No geral eu gostei muito do livro, achei a história bem pesada, ao mesmo tempo que nos lembra, pelo menos quem tem filhos, como as nossas escolhas impactam de forma absurda na vida de quem é dependente de nós.

Não gosto de deixar minhas irmãs trancadas, mas não quero que nada aconteça com elas. Principalmente quando saio e não posso proteger as duas.


O que fez com que a minha leitura fosse bem irregular, em alguns momentos era levada a ler capítulos seguidos, as vezes precisava parar para digerir a história.

Ficando assim a minha dica para quem gosta de livros fortes, que querem ler histórias com conflitos familiares, maternidade, violência contra mulher, vícios, mas que tenham um toque de esperança.


Este lado de Providence
This side of Providence
Rachel M. Harper
Tradução: Lígia Azevedo
TAG Experiências Literárias
2024 - 397 páginas
Publicado originalmente em 2016


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Mau hábito



Sinopse: Nesta estreia literária que se tornou um fenômeno mundial, acompanha a formação de uma criança que cresce num bairro operário devastado pela heroína, na Madri dos anos oitenta. Com crueza e poesia, Alana S. Portero cria um romance sobre as alegrias e os conflitos envolvidos na experiência de uma pessoa que decide experimentar livremente o gênero. A partir da sua escrita terna e feroz, caminhamos entre mitologias diversas, construídas com santos católicos, divas pop, travestis e referências literárias.



No mês de outubro/2024 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora Carla Madeira o livro Mau hábito da escritora espanhola Alana S. Portero. O mimo foi uma ecobag para garrafinha de água.

Nas décadas de 1980 e 1990, artistas como Madonna, Rick Astley, Whitney Houston, U2 explodiam nas paradas de sucesso. Fazendo a trilha sonora de crianças e jovens espalhados pelo mundo inteiro, que externavam ao cantar as músicas muitos dos sentimentos que guardavam.

Vi uma geração inteira de rapazes cair como anjos em estado terminal. Adolescentes com a pele cinza, faltando dentes, cheirando a amoníaco e urina.


Inclusive em Madrid, que vivia uma transição política - após a ditadura de Franco estavam retornando a democracia -, cultural - sendo celeiro de novos talentos -, social - com uma sociedade mais aberta e tolerante -, além de um grande desenvolvimento urbano que mudaria a cara da cidade.

E é no meio destas transformações que uma criança, vivendo no bairro operário de San Blas, se depara com o primeiro desafio de sua vida: não se identificar com o gênero que nasceu.

A droga foi a última fora de execução sumária de dissidentes de um regime que encontrara a forma de se perpetuar.


Imitando a postura de seus parentes do sexo masculino em público – a forma de um primo sentar, de um tio comer e do pai de se expressar -, é no banheiro e ouvindo música que ela tenta se transformar no que gostaria de ser, invejando os grupos de mulheres que se juntam para conversar e fazer compras, em uma aliança muito mais antiga do que o imaginado.

E é essa criança que narra Mau hábito, compartilhando cada fase de sua vida, da infância, passando pela adolescência até a vida adulta. Onde divide com o leitor suas dúvidas, sua própria aceitação, seus amores e horrores em uma escrita sensível e delicada.


A escrita de Alana S. Portero

Mau hábito é o romance de estreia da escritora espanhola Alana S. Portero, que assim como a narradora da sua história, é uma mulher transgênero que nasceu em um bairro operário de Madrid. Iniciou a carreira no teatro e hoje ocupa um papel de destaque na literatura espanhola contemporânea.

Em Mau hábito a narrativa ocorre em primeira pessoa, onde experiências e pensamentos são compartilhados com o leitor, tendo características de um romance de formação, já que a história se inicia ainda na infância e prossegue por cerca de trinta anos.

Era insuportável, e se alguma vez a violência extrema teve uma rotina cômoda foi naquela casa.


O ambiente escolhido é uma mescla de cuidados familiares, criação de laços com quem compartilha as mesmas vivências e a violência em um bairro mais pobre, que pode vir tanto na forma física quanto na psicológica. 

Trazendo à tona assuntos como drogas, aids, preconceito, primeiro amor, e a cultura popular, seja por música, moda, cinema e bairros. Ao mesmo tempo que mostra de forma sutil a transformação de uma cidade após um período de muita restrição.

No mundo das portas abertas, não havia espaço para o rebolado nem para o choro, só para os machões.


Tudo em uma escrita bastante sensível, que encaminha a personagem da história de forma gentil, mesmo nas situações mais difíceis, sendo muito fácil para o leitor sentir carinho e vontade de ajuda-la.


O que eu achei de Mau hábito

Estive em Madrid em 2015 e ler Mau hábito foi dar um passeio por algumas ruas, além de me permitir fazer um antes e depois entre o que estava escrito e o que eu vi durante a minha viagem, ao qual curiosamente pegou o dia da parada gay na cidade.

Como fã das músicas dos anos 80 e 90 adorei as referências musicais, não raro ficava com algumas das músicas citadas na cabeça (Papa don't preach), e me sentia no quarto da personagem com vontade de dançar junto.

Meu pai era assim. Sempre nos dizia a verdade, sem muitos rodeios, e considerava que tínhamos direito às respostas.


Também achei que a escrita me permitiu entender um pouco do sofrimento sentido por quem sofre de disforia, termo utilizado pela própria autora, me fazendo refletir que se já é difícil para muitos lidar com o espelho quando inicia o processo de envelhecimento, o quão duro deve ser em momento nenhum da vida se sentir bem na própria pele.

Existem vários eventos marcantes na história, que tem personagens secundários muito interessantes como as vizinhas Margarida e Peruca, o grupo de travestis que me lembrou o livro O parque das irmãs magníficas, o dono do bar Antônio com suas memórias em forma de fotos de quem foi vítima da aids, o primeiro amor Jay e o conhecido torcedor de futebol ao qual é bom manter distância.

Cibele era a guardiã dos emasculados, dos hermafroditas e dos eunucos, a mãe dos que renunciavam à masculinidade grotesca e abraçavam a ferocidade das mulheres.


Aliás, achei muito interessante a abordagem sobre o assunto, pois em um momento havia o primeiro amor sem consciência do risco, e depois a lembrança do vírus na época mortal que estava sempre à espreita.

Mas é justamente quando este personagem cujo nome só aparece uma vez parece estar se encontrando que ocorre uma virada e surgem os poucos pontos que me incomodaram na leitura.

Acabei entendendo isso, as dobras da memória são traiçoeiras e podem soltar lembranças tão vivas que corremos o risco de ficar presas em lugares que prometemos nunca mais pisar de novo.


Pois como acompanhamos a vida da personagem por um longo período, eu senti falta de uma conversa franca com a família. O motivo é justamente por ser uma família amorosa, estruturada, cujos pais explicavam dúvidas sem preconceito ou enviesados.

E para mim foi um sentimento que ficou latente mesmo após encerrar a leitura, pois em todas as partes que entrava mãe, pai e irmão, era possível sentir como eles eram uma base. Como eles pareciam saber que havia algo diferente pelo cuidado que todos tinham com a personagem, e como talvez essa conversa tenha feito falta para ela não ser tão perdida.

Tudo que tinha a ver com minha identidade, quando ensaiava as possibilidades de contá-la, soava como a confissão de um crime ou de um pecado imperdoável.


Como há uma passagem de tempo, também senti falta de explorarem a mudança na mentalidade da sociedade madrilena, como foi a mudança de tornar todas as ruas mais seguras para todos, não sendo mais necessário se esconder ou frequentar apenas bairros específicos.

Mas no geral gostei da história, concordo com o adjetivo que a minha mãe usou de ser um livro delicado, ao qual a escrita torna fácil compartilhar o misto de sentimentos da criança/jovem que acompanhamos crescer. 

Eu me esforço muito para me adaptar ao que se espera de mim, interrompo meus sonhos me dando uma bofetada.

Uma coisa que eu achei muito legal na edição da TAG, e ficou na torcida para ter na edição comercial também, é a playlist da autora para o livro. No meu livro, fica na última página.

Ficando a dica de leitura para quem curte romances de formação, que fazem o leitor caminhar pelas ruas de outras cidades, que gostam de refletir sobre a sociedade, ou que simplesmente gostam de ler uma boa história.


Mau hábito
La mala costumbre
Alana S. Portero
Tradução be rgb
TAG - Amarcord
2024 - 231 páginas
Publicado originalmente em 2023

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O chamado de Cthulhu e outros contos



Sinopse: O Chamado de Cthulhu é um conto do norte-americano H.P. Lovecraft que logo se tornou um clássico do terror. Foi escrito em 1926 e publicado pela primeira vez na revista estadunidense Weird Tales em fevereiro de 1928. Cthulhu é um deus que nas primeiras páginas do conto aparece como um ídolo de argila quase indescritível, possuindo um culto multimilenar dedicado a trazê-lo de volta, o seu retorno desencadearia o fim da humanidade. Neste livro, encontramos esse clássico e mais nove contos consagrados do autor na literatura de terror.

Há alguns anos atrás me foi indicado ler o autor H.P Lovecraft com a justificativa que ele seria um dos mestres dos livros de terror e mistério. Para tirar a prova, aproveitei um cupom que ganhei para usar em uma livraria online e comprei O chamado de Cthulhu e outros contos, para ter uma amostra do trabalho do autor.



No livro encontrei dez contos, aos quais irei fazer um breve resumo abaixo:

Dagon: Um marinho viciado em morfina compartilha a sua história após sobreviver a um naufrágio e chegar a um lugar desconhecido. A fragilidade do personagem coloca um ponto de interrogação se tudo é real ou alucinações de alguém que está perdendo a razão.


Estou escrevendo isto sob considerável esforço mental, uma vez que hoje à noite não existirei mais.


Nyarlathotep: parte dos mitos que constroem Cthulhu, o conto apresenta uma criatura que sai do Egito e vaga pela Terra. Um ser ambíguo e aterrorizante, capaz de causar a loucura e o caos ao poder assumir diversas formas e manipular a mente de quem encontra pelo caminho.

A cidade sem nome: um explorador se desloca para uma cidade cercada de lendas em um dos desertos da Arábia. Com uma atmosfera que se altera conforme o horário, ele encontra uma arquitetura macabra, símbolos estranhos e templos subterrâneos que o convidam a esquecer todos os cuidados.

Quando cheguei à cidade sem nome, vi que era um lugar amaldiçoado.


Azathoth: um conto curto que conta a história de um homem que viaja atrás dos sonhos perdidos.

O cão: dois amigos compartilham um hobby atípico: violar tumbas antigas em busca de artefatos. Em uma de suas expedições eles encontram uma escultura de jade em forma de um cão com asas. Ao carregar o objeto com eles, eventos misteriosos e aterrorizantes passam a assombra-los.

Não se trata de um sonho - nem mesmo, receio, loucura -, pois já me aconteceu muita coisa para eu ter essas dúvidas apaziguadoras.


O Festival: convocado por familiares para participar de um antigo festival, o personagem/narrador retorna a sua cidade natal. Mas o que deveria ser um retorno às origens acaba se tornando uma experiência bem diferente da imaginada.

O Chamado de Cthulhu: após a morte de um tio-avô o professor Francis Wayland Thurston se depara com a história de um estranho ídolo de argila, que teria relação com um antigo culto dedicado a uma criatura monstruosa que teria vindo das estrelas: Cthulhu. Conforme se aprofunda nas investigações, ele descobre não só uma conexão psíquica entre algumas pessoas e a entidade, como que o retorno de tal criatura significaria o fim da humanidade.

A coisa mais gratificante do mundo, creio, é a incapacidade da mente humana de correlacionar todos os seus conteúdos.


A Cor Vinda do Espaço: um meteoro cai em uma fazenda localizada a oeste da cidade de Arkham e uma estranha cor começa a surgir no local do impacto. Sua queda não gera nenhum dano momentâneo, mas com a passagem dos dias uma terrível transformação ocorre na localidade conforme a estranha coloração passa a corroer tudo o que toca.

História do Necronomicon: pequeno conto que conta a origem do livro fictício citado em diversos contos de H.P. Lovecraft, onde o autor Abdul Alhazred, conhecido como "o Árabe Louco" teria descrito uma série de feitiços e rituais para invocar entidades antigas e poderosas, como Cthulhu.

São figuras tão caladas e furtivas que ele se sente de certa forma confrontado com coisas proibidas, com as quais seria melhor não ter nenhuma relação.


O Horror de Dunwich: Dunwich é uma pequena cidade de Massachusetts onde a estranha família Whateley, que combina cultos antigos e casamento endogâmicos, mora. Mas todas as atenções se voltam para eles quando nasce Wilbur Whateley, um menino que cresce em uma velocidade espantosa e apresenta características que lembram animais e conforme cresce cria uma obsessão por livros antigos, em particular o Necronomicon.


A escrita de H.P. Lovecraft

O escritor norte-americano Howard Phillips Lovecraft, popularmente conhecido como H.P. Lovecraft, é considerado como o autor que revolucionou no século XX o gênero de terror, principalmente no que denominamos terror psicológico e cósmico.

Além da psicologia, o escritor que teve uma infância marcada pela solidão, mistura ficção científica, fantasia em histórias obscuras que podem perturbar os leitores nesta mescla de insanidade e criaturas que não se sabe se vem do cosmo ou de universos paralelos.

Não lembro com precisão quando começou, mas já faz meses. A tensão geral estava horrível.


E foi isso que gerou o Mito de Cthulhu, onde vários contos compartilham o terror cósmico dos impactos do despertar de uma criatura antiga e poderosa que afetaria a Terra como um todo. Não à toa, existe mais de um livro de contos do autor publicado com o mesmo título: O chamado de Cthulhu e outros contos

Em O chamado de Cthulhu e outros contos que eu li existe aquele misto de terror, mistério e dúvida. Ao utilizar a narrativa em primeira pessoa com personagens que ou não confiáveis ou se colocam em situações que podem alterar a sua percepção, o autor mexe com o sentimento de ética e empatia do leitor, pois é imaginação ou eles são realmente vítimas de algo que chamaríamos de sobrenatural?

Sobre o nome e a residência desse homem pouco se escreveu, pois serviam apenas para o mundo da vigília, embora se diga que eram ambos obscuros.


Ao mesmo tempo ele nos carrega para civilizações perdidas, onde o antigo e o avanço tecnológico se misturam, mas habitadas por forças malévolas, ligadas aos muitos mistérios que ainda hoje tentamos desvendar.

Isso é acentuado pelo conjunto de contos que forma os mitos de Cthulhu, onde entidades cósmicas são capazes de causarem horrores que a humanidade não possui preparo e muito menos compressão para enfrentar.


O que eu achei de O chamado de Cthulhu e outros contos

A sensação que eu tive lendo este livro de contos era de estar subindo uma montanha, a cada história o terror aumentava, e não raro, também o número de páginas para imergir em um mundo onde os horrores estão completamente conectados por um livro fictício e por uma criatura.

Várias vezes me peguei lembrando da série Alienígenas do passado, onde cidades antigas e cheias de lendas são mostradas e suas construções questionadas sobre se realmente usaram mão de obra humana ou se seres do espaço o construíram.

Parecia haver ali uma umidade indefinida e opressiva, e me espantei com o fato de o fogo não estar aceso.


Mas nos contos de H.P. Lovecraft eles não constroem nada, e não estão vindo do espaço em uma espaçonave. O mais perigoso está dormindo em águas profundas, e os demais parecem vir atender chamados de rituais ou através de portais escondidos em várias partes da Terra.

Motivo pelo qual não raro é fácil duvidar da história do narrador, pois em algumas situações enfrentadas por eles não seria difícil confundir com alucinações ou pesadelos. 

Não é um lugar bom para a imaginação e não traz sonhos repousantes à noite.


Em outros casos está mais escancarado, embora não haja uma comprovação total da lenda, existem fatos para deixar as orelhas em pé e os pelos dos braços arrepiados.

O que tornou o universo de H.P. Lovecraft aprovado por mim, uma fã do gênero, que só agora conheci o mestre e deixo a dica para quem também curte este misto de terror, psicologia e mistério.


O chamado de Cthulhu e outros contos
H.P. Lovecraft
Tradução: Alexandre Barbosa de Souza
Editora Nova Fronteira
2023 - 200 páginas
Contos publicados originalmente no final dos anos de 1800