sexta-feira, 20 de junho de 2025

Farda, fardão, camisola de dormir



Sinopse: Quando o Estado Novo de Getúlio Vargas ainda flerta com o eixo nazifascista, a morte súbita e prematura do poeta Antônio Bruno abre uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Quem prontamente se candidata é o coronel Sampaio Pereira, chefe da repressão política do regime e simpatizante do nazismo. Alarmados com a possibilidade de ver um inimigo da cultura ocupar a cadeira do boêmio, sedutor e gaiato Bruno, alguns veteranos acadêmicos articulam a anticandidatura de outro militar, de oposição, o general reformado Waldomiro Moreira. Segue-se então uma memorável e imprevisível campanha eleitoral na Academia. 



No Rio de Janeiro de 1940 o poeta Antônio Bruno não suporta as aflições que a bela cidade de Paris vem sofrendo devido a segunda guerra mundial e sofre um infarte fulminante.

O boêmio além de deixar várias mulheres as lágrimas, coloca uma batata quente na mão dos integrantes da ABL - Academia Brasileira de Letras: a escolha do sucessor para ocupar a sua cadeira em plena ditadura de Getúlio Vargas.

Esta fábula conta como dois velhos literatos, acadêmicos e liberais, partiram em guerra contra o nazismo, a ditadura e a prepotência.


O complicador parte de outro integrante da ABL, o acadêmico Lisandro Leite, deseja integrar o STF, e para isso vira padrinho do coronel Agnaldo Sampaio Pereira, chefe da repressão política do Estado Novo, sob a justificativa que uma cadeira pertence aos militares e a tradição havia sido quebrada com a escolha do poeta.

Para combater o simpatizante nazifascista, dois outros integrantes, o romancista Afrânio Portela e o ensaísta Evandro Nunes dos Santos, vão atrás de um militar menos perigoso, o general da reserva Waldomiro Moreira, para ser o oponente na eleição, e que já tentava uma vaga na Academia Fluminense de Letras.

Haverá sentimentos mais onipotente, a dominar o coração dos homens, do que a vaidade?


Misturando nesta narrativa bem-humorada com toque de "fábula para acender uma esperança" história do Brasil e bastidores das eleições da ABL, Farda, fardão, camisola de dormir é para relaxar e sorrir com a crítica irônica de Jorge Amado não só ao país, mas também ao ambiente que ele mesmo frequentou.


A escrita de Jorge Amado

Um escritor que dispensa apresentações, acho que isso cabe muito bem a Jorge Amado, o escritor baiano traduzido para diferentes idiomas, cujos livros viraram novelas e filmes.

Em seus livros encontramos personagens cativantes, pitadas de humor, drama e crítica social. E Farda, fardão, camisola de dormir não foge disso.

Tinham de derrotá-lo, fosse como fosse, para provar que ainda existe decência neste país, que a Academia se mantém independente e digna.


A história começa já pelo título, já que a farda representa os militares e a repressão dos anos de 1940, o fardão o traje caro de gala dos imortais da ABL e a camisola de dormir o poema do personagem que morre para dar início a toda essa bagunça.

O ano de lançamento do livro também é simbólica, publicado em 1979 em plena Ditadura militar acaba provocando no leitor de hoje a realizar um paralelo entre duas épocas um tanto sombrias da nossa história.

Todos temos dois lados, um bom, um ruim. Pior do que um robô, o senhor é um homem pela metade, torturador de presos.


Ao mesmo tempo que mexe com uma das áreas do mundo intelectual, ao qual ele mesmo passou a fazer parte em 1961, revelando como ocorre a eleição para imortal na ABL, com suas visitas, etiquetas, presentes e conversas para ganhar a simpatia de quem pertence ao seleto grupo.

Misturando realidade e ficção em uma narrativa em terceira pessoa bastante fluída, com alguns plots que despertam ainda mais a vontade do leitor de descobrir quem será o eleito a ocupar a cadeira do poeta boêmio.


O que eu achei de Farda, fardão, camisola de dormir

Confesso que este é apenas o segundo livro que leio de Jorge Amado. O primeiro foi Capitães de areia, ao qual gostei muito, e por indicação da minha mãe, comprei Farda, Fardão, camisola de dormir.

Achei divertida a mistura de sátira e história encontrada na narrativa, também gostei de ver o funcionamento da ABL na candidatura de seus imortais.

Os livros sobram por toda parte: amontoados no chão, em cima das cadeiras, abertos na pesada mesa de trabalho.


A politicagem de tratamento, visitas, presentes e interesses tanto dos que apoiam como os que não se agradam, me passaram o sentimento de que a obra produzida pelo candidato não se encontra em primeiro plano.

O que fica muito bem disfarçado pelo perfil dos dois candidatos que eles tiveram que aceitar de livre e obrigada vontade. E que dão todo o toque humorístico na narrativa.

Penosa, deprimente, desgastante, a campanha eleitora aproximava-se do fim da primeira etapa: os dois meses durante os quais os candidatos podiam se inscrever.


As mulheres são figuras importantes na história também, utilizando influência e poder de sedução para que a cadeira do seu amado poeta não seja ocupada por alguém que foge completamente do que ele defendia.

E ao falar de liberdade e censura, assuntos que nunca saem de moda, Jorge Amado me levou como leitora a dar uma volta ao passado com reflexões e riso.

Para quem iniciara a campanha sem opositor e com promessa de eleição unânime, o panorama da batalha se revelou flutuante e nebuloso.


No geral achei a escrita bastante fluída, o que faz com que a leitura seja rápida. Confesso que até o final da segunda parte me peguei perguntando se seria só aquela disputada entre os dois candidatos, mas a virada de chave é sensacional, o que me deu mais curiosidade de seguir na segunda parte.

E a curiosidade aqui é que ele se inspirou em uma votação real para criar uma narrativa cheia de intrigas, planos e reviravoltas. Uma homenagem com toque de crítica ao seu próprio meio.

Se não fossem as eleições, quem haveria de ligar para um velho como eu, embaixador aposentado, cobrando do Itamaraty uma miséria por mês, em moeda fraca? Ninguém, meu caro.


Eu já quero ler outros títulos dele, e deixo este como sugestão para quem quer um livro para se divertir, ao mesmo tempo que reflete sobre vários assuntos.


Farda, fardão, camisola de dormir
Jorge Amado
Companhia das Letras
2009 - 259 páginas
Publicado originalmente em 1979


Nenhum comentário:

Postar um comentário