sexta-feira, 12 de julho de 2024

Cem dias entre céu e mar



Sinopse: Madrugada de 10 de junho de 1984, porto de Lüderitz, Namíbia. Após catorze dias de espera, o barco a remo de um brasileiro desconhecido recebe autorização para zarpar rumo ao litoral baiano. Amyr Klink partiria em sua primeira grande viagem marítima, uma travessia absolutamente incomum: mais de 3500 milhas (cerca de 6.500 quilômetros) a bordo de um minúsculo barco a remo.

 Primeiro livro do navegador e explorador brasileiro Amyr Klink, Cem dias entre céu e mar é o compartilhamento de um sonho que virou realidade: fazer a travessia pelo oceano Atlântico Sul saindo da África até redescobrir o Brasil chegando na Bahia.

 O livro inicia com a memória da compra de uma canoa chamada Rosa em 1977, pulamos 7 anos no tempo para a chegada na aduana no porto de Lüderitz em 1984. E assim começa a aventura de Klink, que decidiu retornar remando em uma canoa em formato de lâmpada para o Brasil.

Suas linhas perfeitas escondiam-lhe muito bem a idade. Muito se contava a respeito. Grandes aventuras, viagens perigosas. Todos na ilha a conheciam.


Na narrativa são cem dias de muito esforço físico, onde o tempo de descanso poderia ser escolhido ou forçado por tempestades onde as ondas parecem que irão engolir a canoa.

 A solidão é interrompida pelo contato semanal via rádio, por baleias, golfinhos, tubarões, peixes-voadores e dourados, estes últimos se tornando importantes aliados.

 Tenso, andando em direção ao cais, senti que aqueles seriam os meus últimos passos em terra firme.


Levando ao leitor sentir toda as tensões e emoções do autor ao viver uma aventura inesquecível.

 

A escrita de Amyr Klink

Utilizando a narrativa em primeira pessoa, o explorador, navegador e escritor Amyr Klink convida aos leitores a entrarem em sua canoa e percorrerem junto com ele não apenas os cem dias entre céu e mar que separam a África do Brasil, mas também os preparativos e diversas memórias.

Com uma escrita estritamente agradável, é possível ao se entregar as páginas sentir o cheiro do mar, o sal da água, a tensão nos músculos, o cansaço de noites maldormidas, a felicidade nas pequenas conquistas.

 Quando voltaria a ver de novo Paraty, a família, o Brasil, as pessoas queridas de quem não pude me despedir? Sim, era estranha a sensação.


Somado a tudo isso há também o compartilhamento de fatos históricos e lendas marítimas conforme os locais pelo qual a canoa passa, tornando a viagem ainda mais interessante para quem topou embarcar.

 Sendo complementado no final com um glossário de termos náuticos para os mais interessados e a biografia utilizada para elaborar a rota e o projeto.

 

O que eu achei de Cem dias entre céu e mar

Eu já havia lido em 2010 o livro Linha D’Água – EntreEstaleiros e Homens do Mar, a viagem que Amyr Klink fez em um veleiro que vai da cidade de Paraty até a Antártica, e havia gostado muito.

Cem dias entre céu e mar chegou em uma caixa de autocuidado que assinei durante a pandemia e ficou perdido na famosa pilha de leituras pendentes, ao qual foi salvo este ano e lido rapidamente.

Encaixado no fundo da popa, eu não sentia o movimento do barco e só via o horizonte e as estrelas passando rápido pela janelinha. 


Como em Linha D’Água, encontrei uma história real de superação, de alguém que não apenas sonha, mas que se planeja para alcançar os objetivos propostos em jornadas que possibilitam autoconhecimento e novas aprendizagem.

Durante a leitura adorei a participação dos dourados, e confesso que fiquei bastante aflita - embora soubesse que tudo havia dado certo - com os tubarões e baleias que eventualmente tocavam a canoa.

O cabelo pingando, as roupas encharcadas e um fiozinho de água escorrendo pela nuca e descendo as costas, por dentro da blusa, coroavam uma típica segunda-feira. 


E não raro ficava imaginando o pavor em situações como quando a canoa virava uma bola de Ping Pong em um jogo bastante animado entre as ondas.

Como comentei anteriormente, achei a escrita bastante agradável, o livro é de fácil leitura e envolvimento. Foi muito fácil se sentir dentro da canoa com o Amyr Klink, e nos momentos de maior solidão que ele refletia sobre a própria história, não raro me peguei pensando do que eu sentiria saudade se encarasse uma jornada parecida.

Eu teria, então, provado que meus planos estavam certos e que a mais importante chave para o êxito da travessia estava há muito em minhas mãos: a rota. 


Ficando a indicação para quem gosta de narrativas de viagem, histórias reais, jornadas de autoconhecimento e claro quem gosta de ler.

 

Cem dias entre céu e mar
Amyr Klink
Companhia de bolso
1995 - 159 páginas

quinta-feira, 4 de julho de 2024

Na praia



Sinopse: "Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite." Assim começa a história de Edward e Florence num quarto de hotel na praia para sua noite de núpcias, em 1962. O premiado autor britânico Ian McEwan mergulha na complexa mistura de desejo e pudor que marca o grande momento dos recém-casados, entrelaçando dramas íntimos, plenos de silêncios e mensagens nas entrelinhas, com impasses históricos e culturais, em uma narrativa envolvente até o seu desfecho.

No mês de março/2024 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação do escritor gaúcho Antônio Xerxenesky, autor de livros como Uma tristeza infinita, o livro Na praia do autor inglês Ian McEwan. O mimo foi um tipo de quebra-cabeça poético, muito semelhante ao recebido no kit Uns e outros contos espelhados enviado em julho de 2017.

Edward e Florence estão sentados na sala de seu quarto, após a cerimônia de seu casamento, aguardando os garçons servirem o jantar em meio a conversas artificiais. Ao lado o quarto com uma cama de dossel os aguarda, provocando expectativas em um e angústia no outro.

Os pais dela não trataram os dele com ares de superioridade, como os dois chegaram a temer, e a mãe dele não cometeu nenhuma gafe significativa, nem sequer se esqueceu do propósito da ocasião.


Os motivos são apresentados em memórias conforme vamos acompanhando a sequência de ações e conversas de um jovem casal que acredita se amar, mas não se conhece na totalidade. E cuja falta de intimidade em situações mais tensas irão mostrar um outro lado de cada um, acentuando ainda mais a dificuldade de comunicação entre personagens que vivem na Inglaterra de 1962. 

Somado a isso, cada um com 22 anos de idade, precisam seguir seus rumos profissionais, sejam por escolha, seja pela oportunidade conveniente ao qual se precisa confirmar.

Chegara à descoberta fortuita de que mesmo o sucesso lendário trazia pouca felicidade; só inquietação redobrada e o tormento da ambição.


Tornando o romance ao mesmo tempo delicado e forte, sutil e triste ao aprofundar as relações humanas quando estas tentam se manter na tênue linha do equilíbrio.


A escrita de Ian McEwan

O escritor britânico Iam McEwan optou pela narrativa em terceira pessoa para contar a história do relacionamento do casal Edward e Florence. Transformando a lua de mel em um hotel à beira-mar o local para descascar as várias camadas de um relacionamento que deveria seguir o padrão da sociedade tradicional da época.

No presente ele vai aumentando a tensão conforme a noite parece se desenrolar e o momento de maior intimidade se aproxima, contrabalanceando com passagens do passado, permitindo ao leitor conhecer não apenas mais profundamente os personagens como o ambiente que o cerca.

O namoro deles foi uma pavana, um desdobramento solene, demarcado por protocolos nunca acordados ou ditos, apesar de geralmente cumpridos.


E neste ponto começa as diferenças sociais, familiares e de expectativa, mostrando que a distância entre os dois não está apenas na pouca comunicação.

Somado a isso existem algumas sutilezas que permitem gerar diferentes opiniões, principalmente em relação ao comportamento de Florence, no qual a causa vai da percepção do leitor em captar os pequenos detalhes.


O que eu achei de Na praia

Achei a narrativa de Na praia bastante envolvente, a escrita fluída, e de rápido leitura. Sendo muito fácil não apenas compreender, mas sentir todos os conflitos que afetam os dois.

E apesar de falar em amor, ele trata muito mais das frustrações, dos traumas, mágoas e histórias que cada pessoa leva para as suas relações. E no caso do casal protagonista, tudo se torna ainda mais grave, pois é fácil observar que eles chegam na noite de núpcias sem serem amantes e muito menos melhores amigos. 

Como costumava acontecer sempre depois que ela passava um tempo fora, seu pai despertava nela emoções conflituosas.


Embora, sendo justa, existem segredos que dependendo da gravidade, as pessoas não contam a ninguém, devido a tudo que eles podem desencadear.

Tornando a questão da comunicação uma consequência desta falta de intimidade, o que naturalmente impacta muito mais Florence do que Edward, que vai sendo levado pela maré, inclusive na escolha profissional.

A pílula era um rumor nos jornais, uma promessa ridícula, mais uma daquelas bravatas sobre a América.


Sendo na minha opinião um livro muito rico não só sobre os relacionamentos humanos, mas de como o ser humano lida com o inesperado, com feridas não curadas e rupturas dolorosas.

O projeto gráfico da TAG ficou bem bonito, ao mesmo tempo que sintoniza o leitor com o local dos protagonistas, o detalhe da luva com a simulação das conchas deram um toque especial.

Ficando a dica para os leitores do blog que gostam de livros que tratam de relacionamentos humanos, que possuem abertura para suas próprias teorias e para quem lê até bula de remédio.


Na praia
On Chesil Beach
Ian McEwan
Tradução: Bernardo Carvalho
TAG - Companhia das Letras
2023 - 137 páginas
Publicado originalmente em 2007