terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Uma tristeza infinita



Sinopse: Após o fim da Segunda Guerra Mundial, um jovem psiquiatra francês é convidado a trabalhar num isolado hospital suíço, mudando drasticamente de vida. Entretanto, nem assim ele consegue fazer as pazes com os próprios fantasmas. Por meio das conversas com os pacientes, o médico começa a explorar as fronteiras da loucura - e seus próprios limites. Em uma narrativa introspectiva e brutal, Antônio Xerxenesky nos faz encarar os traumas do passado, assim como o atávico medo do futuro.

No ano de 1952, quando o mundo, principalmente a Europa, tenta juntar os seus cacos para retornar ao ritmo de vida normal, o jovem psiquiatra Nicolas se muda junto com sua esposa Anna para uma pequena vila nas montanhas suíças.

O motivo é um hospital psiquiátrico que recebe pessoas traumatizadas com o fascismo, com os traumas da guerra e sentimento de culpa em relação ao seu papel durante todos os últimos anos. O diferencial do lugar é de tentar evitar ao máximo tratar os seus pacientes com tratamentos que mais lembram tortura, como o eletrochoque, estando de acordo com a linha de pensamento de Nicolas, que acredita no poder da psicanálise.


Enquanto a paisagem transmitia imobilidade, os ruídos apontavam para um movimento incessante.


Entre os internados que são encaminhados a Nicolas estão um homem que serviu na Normandia e fala o mínimo possível e já tentou o suicídio usando uma de suas medalhas de guerra. Já Mary vive em melancolia, rói as unhas e não consegue dormir, uma mulher que trabalhou em Los Alamos e agora sonha com as vítimas que as bombas atômicas atingiram.

Mas também Nicolas apresenta sinais de melancolia, e ao repassar os seus últimos anos nem sempre se sente à vontade. A soma de tudo faz o ambiente ficar ainda mais pesado e assim Anna arruma um emprego em Genebra, para ter um pouco de alívio e ao mesmo tempo conciliar o seu casamento.


É física. Essa tristeza. É insuportável. Não aguento mais. Eu só preciso da sua ajuda.


Os personagens

O casal Nicolas e Anna são o centro da narrativa, mas é através deles que entramos em contato com diferentes pacientes, médicos, enfermeiras e moradores da região.

E isso é o bacana, ao mesmo tempo que eles abrem a janela para discussões interessantes sobre ciência, religião, psiquiatria, melancolia, depressão, histeria e culpa, ambos são muito humanos.


Seria a melancolia também contagiosa, transmissível como o vírus da gripe?


Sendo muito fácil observar como Anna tenta equilibrar os maus momentos de Nicolas, que não são novidades em sua vida, ao mesmo tempo que busca algo que a impulsione e não o faça abandonar. Ao dedicar-se para a sua carreira, ela diretamente se dedica ao próprio relacionamento, não deixando espaço para que a melancolia também a invada.

Já Nicolas vive com sombras do passado, em alguns momentos questionando a sua sorte, por ter passado ileso durante os anos mais críticos da guerra. Assim como é curioso ele se ver nas descrições dos próprios pacientes, absorvendo e vivendo as suas próprias visões. Sendo nítido que ele também precisava de alguém profissional para conversar, já que é muito mais fácil ter uma visão de fora do que quando se está no centro dos acontecimentos.


A sua má vontade com a ciência é chocante para um suposto homem de ciência.


A escrita de Antônio Xerxenesky

Usando a narrativa em terceira pessoa Antônio Xerxenesky coloca o leitor lado a lado na vida de Nicolas, acompanhando toda a sua rotina e pensamentos sem que o mesmo se sinta distante dos personagens.

A escolha do período do inverno em um lugar distante, onde a civilização parece estar a quilômetros e os atrativos são mínimos, combinam com a alma dos pacientes, que em muitos momentos se entregam totalmente nos braços de suas próprias tristezas.


Não era absurdo pensar que nunca seriam felizes de novo daquela maneira.


Tristezas que encontram eco no psiquiatra Nicolas, cujos sentimentos e dúvidas não são estranhas para quem já se interessou pelos mistérios da mente ou para quem compartilha, seja convivendo ou vivendo, esta mistura de medo e busca constante por si mesmo.

Além disso, ele trata de uma forma muito gentil as questões éticas do pós-guerra, como aceitar ou não pessoas simpatizantes do nazismo e do fascismo, quanto há médicos judeus e outros que não conseguem se imaginar ajudando quem ajudou a matar muitas pessoas – as vezes da sua própria família - sem um pingo de humanidade.


Depois de ver a maldade humana expor seu rosto de um jeito tão escancarado, me parece quase impossível retornar a qualquer espécie de normalidade.


O que eu achei....

Eu que não conhecia o escritor, que por sinal é meu conterrâneo, gostei muito deste primeiro contato com a sua escrita, que é fluída mesmo com todo peso melancólico que as palavras carregam entre as páginas.

A melancolia está no título, na clínica, nos pacientes, na casa do Nicolas, no atalho pela floresta, no pequeno bar e as vezes parecia transpassar as páginas e apertar o meu peito, sentindo um pouco da mesma dor.


Ele era um receptáculo para ideias radicais, como todo jovem que se depara com um mentor disposto a se aproveitar da imaturidade alheia.


O que também achei interessante é que o livro traz inúmeras referências da psiquiatria, matemática, física e literatura, sem ficar pedante ou chato. Existe um fluxo natural na existência deles, principalmente nos diálogos, ao qual me peguei ora curiosa ora surpreendida com algumas das colocações.

Um livro que pode mexer com os mais sensíveis, principalmente neste período tão difícil, ao mesmo tempo que pode nos ajudar a refletir sobre o que realmente incomoda.


Por que era tão difícil se levantar, começar o dia? O que havia de tão apavorante fora daquele quarto?


Ficando a dica para quem curte ficções com psicanálise, que envolvem o pós guerra, ou que simplesmente querem ter uma visão diferente das reações causadas pela melancolia. E claro, para quem gosta de ler.


Uma tristeza infinita
Antônio Xerxenesky
Companhia das Letras
2021 - 250 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

7 comentários:

  1. O livro aborda um tema importante o autor Antônio Xerxenesky descreveu a história muito bem, eu creio que a tristeza não é infinita pra sempre, bjs.

    ResponderExcluir
  2. Oi
    Eu adorei a sugestão 🙂 a temática é bem interessante, ainda não li nada do autor.. Já quero ler

    ResponderExcluir
  3. Não conhecia o autor nem o livro, pelo conteúdo do texto há uma tristeza tão infinita na história. deve ser uma boa leitura.

    ResponderExcluir
  4. Muito boa essa indicação, o livro parece muito bom. Li vários títulos sobre a segunda guerra mundial e esse é pós guerra. Quero conhecer a escrita do autor através dessa obra.
    Bjs!

    ResponderExcluir
  5. Oi, tudo bem? Não lembro de ter visto esse lançamento mas a premissa me chamou bastante atenção. Também gostei dos questionamentos trazidos pelo autor. Um abraço, Érika =^.=

    ResponderExcluir
  6. Muito boa a sugestão, ainda não li nada do autor, mas amei a tematica e o jeito dele de escrever.

    ResponderExcluir
  7. uma tematica importante que foi abordade de uma maneira intersante. um autor novo para conhecer.

    ResponderExcluir