terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Partes de um corpo



Sinopse: Coletânea de contos organizada por Rafaela Pechansky, com prefácio de Socorro Acioli. Claudia Tajes - Bile nº 5; Giovana Madalosso - Melanomas; Antonio Prata - Bourbon; Jarid Arraes - Engolir o amor; Tati Bernardi - O dedão de Carolina; Jessé Andarilho - Braço direito; Mel Duarte - Daquela que te alimenta as memórias.

Assim como Partes de uma casa, seu primo Partes de um corpo foi o mimo do kit enviado junto co o livro Gostaria que você estivesse aqui para os associados da Inéditos no mês de maio/21. Feito com exclusividade para a TAG enviar aos seus associados, indica como base comum o corpo e teoricamente deveria acontecer dentro do contexto vivido durante a pandemia de COVID-19.

Quem faz a apresentação dos contos no prefácio é a escritora Socorro Acioli, que compartilha a lembrança ao ver o título do livro de um texto de Gógol chamado O nariz. Fazendo um pequeno resumo não só dos contos, mas também do ato de ler e dos leitores, seu prefácio é bastante agradável e dá o clima de expectativa certo para iniciar a leitura.


Pensar em um nariz como personagem é, no mínimo, uma possibilidade instigante.


Bile Nº 5

Eu adoro os textos da escritora gaúcha Claudia Tajes, como  A Vida Sexual da Mulher Feia já resenhado aqui no blog, então sabia que tudo poderia acontecer.

Confinado em seu apartamento há dois anos para se proteger da pandemia, um casal primeiro observa os vizinhos até direcionar os olhos para o próprio umbigo. Se no início eles se distraiam, agora o tédio dos dias iguais os consome, assim como a encefalopatia hepática consumia a parte do fígado retirado do marido e que agora é conservado em um vidro e exposto na estante.


Dois anos de confinamento obedecidos dia após dia. Sem abrir uma janela.


Narrado em terceira pessoa, Claudia Tajes usa o antes e agora na pandemia, com um toque de sem noção que pode causar as mais diversas reações conforme o espírito do leitor. 


Melanomas

Utilizando a narrativa em primeira pessoa, a autora Giovana Madalosso nos apresenta uma mulher com mais de sessenta anos que recebe um pedido inusitado da filha de seu vizinho no elevador: auxiliar o homem no autoexame para ver se encontrava sinais de melanomas, doença da qual já quase havia morrido uma vez.

E é justamente ao observar este outro corpo que ela começa a voltar os próprios olhos para si, gerando mudanças inesperadas.


Além de a minha memória ser boa, a minha vida não era uma profusão de compromissos a ponto de eu esquecer algum.


Não é um conto sobre a pandemia, mas sobre como uma situação faz uma pessoa rever fatos, analisar situações e até mesmo se abrir para viver novas experiências.


Bourbon

O escritor paulista Antonio Prata também foge da pandemia e combina bebida e parte íntima masculina para que o seu narrador nos conte o encontro de Sandra e Luiz.

Não vou detalhar para não entregar a história para quem não leu, mas na minha opinião o conto começou com um bom ritmo, engraçado, com um belo toque de ironia.


Não há mais o que fazer, não há mais como se esconder, é preciso jogar a toalha.


Mas infelizmente ele vai decaindo no desenrolar do longo diálogo, lembrando aquelas discussões chatas de Twitter cujo final é muito louco.


Engolir o amor

A autora cearense Jarid Arraes escolheu o estômago como forma de contar a relação filha e mãe que Ciça vive, que opta pelo jejum e a reza como forma de salvar a mãe da doença que a consome.


Morrer como, morrer de morrer, de morte matada ou morte morrida?


Conforme a doença evolui, mais a filha se exige enquanto apenas assistimos suas reações. Foi o conto que me deixou com uma pergunta não respondida no final.


O Dedão de Carolina

A escritora paulista Tati Bernardi escolhe o polegar de sua personagem para contar sobre a sua vida, desde quando era bebê e usava este dedo para substituir o seio materno, ou na infância quando folhava as páginas dos livros rapidamente.

E como os nossos próprios polegares, ele acaba participando das primeiras escolhas na juventude, o desafio da aprovação em uma universidade até a sua vida adulta.


Seria um dos maiores atores do país, lotaria mais de mil lugares a cada apresentação, e o público o aplaudiria de pé com gritos de "bravo!".


Eu particularmente achei muito interessante o viés utilizado, a narrativa em terceira pessoa me permitiu acompanhar Carolina e o seu dedão como se fosse um filme e fiquei pensando o que se passa debaixo das unhas dos meus próprios polegares.


Braço Direito

Usando uma expressão muito conhecida nos meios corporativos, o escritor carioca Jessé Andarilho coloca o braço direito na posição de comando da organização chamada corpo humano.

E como não poderia deixar de ser há conflitos, reclamações, revoltas, confusões, desencontros e necessidades de muitos acordos para gerenciar uma das máquinas mais perfeitas que conhecemos.


Havia muita coisa para ser discutida enquanto Esquerdo e Direito travavam uma queda de braço para decidir quem tomaria a frente na resolução dos problemas.


Eu achei a analogia com o mundo corporativo muito interessante, e indo além do mundo empresarial, outros chavões populares são usados, assim como política e humanidade se misturam no texto, me fazendo lembrar de uma piada de infância onde o cérebro e outra parte do corpo também disputavam pelo comando do corpo humano.


Daquela que te alimenta as memórias

A autora paulista Mel Duarte escolheu a boca como parte do corpo, mas durante o texto todo, assim como no título, faz parecer que é a memória.

Utilizando a narrativa em primeira pessoa a boca resolve ter uma conversa séria com a pessoa que a possui, trazendo lembranças antigas, amores e situações, em um retorno ao passado que tenta trazer a personagem ao presente.


E eu não vou perguntar se tá tudo bem, porque eu sei que não tá.


Eu particularmente achei o texto bem chatinho, muito bla bla bla e pouco tempero em um conto que tinha potencial.


O que eu achei

No geral não achei ele melhor que as Partes de uma casa, os contos são mornos e em sua maioria não abordam a pandemia como é indicado no início, aliás, em muitas ela é nitidamente esquecida, onde os personagens moram em um mundo anterior a 2019.

Eu fiquei com a sensação de o fato de terem sido encomendados de certa forma houvesse impedido de acessarem a alma de quem escreve, e assim, interferindo na minha reação como leitora. O que me fez recordar que muitos autores não aceitam trabalhar com temas previamente propostos, como se apenas a liberdade absoluta fizesse uma história fluir.

Para quem ficou curioso, infelizmente o livro não está à venda nas livrarias, sendo, por enquanto, uma exclusividade dos associados da TAG.


Partes de um corpo
Vários autores
TAG - Experiências Literárias
2021 - 179 páginas


7 comentários:

  1. São contos pra refletir, cada conto tem a sua história, quem gosta de contos desse estilo vai gostar, confesso que fiquei curiosa bjs.

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  2. Oi
    Que legal 🙂 eu adorei a sugestão é maravilhosa, amo contos

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  3. Eu gosto desse tipo de livro dividido em contos, porque deixa a leitura mais dinâmica. Achei as hitórias de cada um bem diferenciadas... mesmo você comentando que achou as histórias um pouco mornas. rsrs
    Beijão! ♥

    Relíquias da Lara

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  4. Gosto de narrações na terceira pessoa, gosto de histórias com esse toque de contada
    Abraços,
    Alécia, do Blog ArroJada Mix

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  5. Parece ser bem interessante. Uma pena não ter pra vender em livrarias.

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  6. Olá, tudo bem?

    Uma pena que tenha achado os contos mornos, visto que a proposta do livro é boa e poderia ser uma super livrão, sem dúvida. Também já senti isso em algumas obras com contos e sei como é ruim. Adorei conhecer!

    Beijos!

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  7. Olá,

    É bastante frustrante quando colocamos bastante expectativa em algo e não é suprido
    É uma pena algo fugir tanto da proposta
    Bjs

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