quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Partes de uma casa



Sinopse: Coletânea de contos organizada por Rafaela Pechansky, com prefácio de Itamar Vieira Júnior. João Maia, 237 - Carol Bensimon Solange - Jeferson Tenório Sem saída - Marília Garcia Não me olha, não diz nada - Natália Borges Polesso Basta a cada dia o seu próprio mal - Miguel Del Castillo A porta da rua - Caetano W. Galindo Luan Ângelo - Amara Moira.

Enviado em 2021 como mimo do kit que tinha o livro O pássaro secreto, foi feito com exclusividade para a TAG enviar aos seus associados, tendo como base o contexto vivido durante a pandemia de COVID-19 cuja frase Fique em casa foi muito usada principalmente em 2020.

Afinal como Itamar Vieira Júnior nos lembra no Prefácio, os últimos meses tornou a casa sinônimo de proteção, mesmo quando nela há desigualdade social, transformações que precisam ser compreendidas, memórias , dúvidas, barulhos, silêncios e as nossas próprias loucuras.

Repasso abaixo cada um dos contos para compartilhar com vocês um pouco mais dos sete contos e as minhas impressões.

João Maia, 237

Quem abre a coletânea é a escritora gaúcha Carol Bensimon, no seu conto um homem carrega o fardo de no final da adolescência dirigir alcoolizado e sofrer um grave acidente, ao qual ocasionou a morte do caroneiro Leonardo.

Os rapazes haviam se conhecido em uma festa e se descobriram vizinho, Leonardo tinha ganhado uma guitarra elétrica e já planejava o primeiro show em um palco que ficaria no próprio jardim. 

O fim deste sonho marca a vida do motorista sobrevivente no restante dos seus dias.


Ele já era a parte mais sombria da noite dessa pessoa.


Sabe aquele detalhe que pode te estragar a leitura? Pois então, foi o que aconteceu comigo neste conto, quando logo no início a autora liga o acidente a passagem do Trensurb - como é chamado o trem metropolitano que liga Porto Alegre e cidades próximas - às 03 da manhã. Só que o trem não funciona de madrugada, duas horas a mais e eu não teria este desconforto.

No geral achei que o conto não tem nada demais, e faltou uma relação mais direta com a parte da casa, talvez se o acidente fosse ele entrando no jardim e atingido o rapaz no palco improvisado, a ligação pulsasse mais. É uma história morna, mas rápida de ler. 

Solange

O carioca Jeferson Tenório usa a dependência de empregada, um aposento que nem todas as casas possuem, para tratar justamente de desigualdade social.

Aqui existem duas histórias paralelas, começa com Léa uma fisioterapeuta recém separada que precisa equilibrar a nova rotina com o filho pequeno e as lembranças do marido que ainda estavam espalhadas pela casa.

É ela quem encontra a personagem do título, vivendo em um quarto minúsculo sem janela, trabalhando sete dias por semana, em um trabalho escravo que roubou até o seu nome.


Em cima da cômoda, porta-retratos vazios, onde antes havia fotos de sorrisos e felicidades com o ex-marido.


Quando comecei a leitura deste contou achei que se tratava de uma mulher tentando se reerguer após a separação, na sequencia o foco muda para a situação de trabalho escravo e preconceito.

Terminei a leitura com a sensação de que faltava algo, como se o conto fosse mais o resumo do que viria a ser um romance longo, com os detalhes mais bem trabalhados. Não consegui formar uma opinião sobre o que achei da história, ela é interessante, mas fiquei pensando se o foco fosse a própria Solange, talvez em uma narrativa em primeira pessoa, o conto teria ficado mais redondo.

Sem saída

É na cozinha da bisavó que a poeta Marília Garcia buscou inspiração para misturar memórias e isolamentos em um dos contos que mais gostei.

Foi o isolamento que mudou a sua ideia original, como ela explica logo no início, quando viu a si mesma presa em uma cozinha com suas lembranças, um chaveiro da bisavó e os espaços em branco que a mente queria preencher.

E nestas lembranças ela acaba comparando o tempo atual com outro período onde enfrentou um confinamento diferente com um ponto em comum entre os dois, já que em ambos ela enfrenta uma gravidez de risco que lhe impede de se locomover livremente.


Seria uma história com muitas lacunas naquilo que parece o mais significativo: como ela viveu, o que pensava, o que aconteceu.


É um conto sobre confinamento - seja individual quando somente ela não podia sair da cama ou coletivo quando todos devem ficar em casa -, sobre histórias de família, relações superficiais, e as lacunas dos que preferiram esquecer.

Como eu disse no início, eu gostei, é muito fácil se identificar com algum dos sentimentos descritos ou de se sentir viajando entre as ruas de Portugal e Brasil. 

Não me olha, não diz nada

Outra gaúcha dá sequência a coletânea, e por ter lido recentemente A Extinção das Abelhas - já resenhado aqui no blog - mesmo que não identificasse que era a Natalia Borges Polesso, pelo estilo era fácil de adivinhar.

Em plena início da pandemia, quando tudo está fechado e se recomenda ficar em casa, Karina resolve fazer um encontro em seu apartamento e convidar pessoas próximas, que por sua vez resolvem convidar outras pessoas próximas, transformando o evento em uma festa.

Quando tudo foge do seu controle, ela simplesmente foge para o banheiro e se tranca lá, e entre limpezas do local e cochilos, ela acaba refletindo sobre as suas escolhas, tendo um gato como juiz.


Ela poderia não ter comprado tudo aquilo, mas foram tão bem recomendados.


O conto é introspectivo, onde a personagem usa o gato para colocar muitos dos pensamentos que há tempos martelavam sua mente, mas ela não arriscava a olhar de frente.

Como um fio de lã, um pensamento vai puxando a outro, misturando sentimentos, lembranças e emoções. Algo que depois de começado nem o álcool gel consegue impedir de se propagar.

Basta a cada dia o seu próprio mal

Um conto que me deu um arrepio na espinha, é assim que defino a história do carioca Miguel Del Castillo.

Heitor vive em um futuro pós pandemia, mas segue medindo a saturação de oxigênio, limpando tudo com álcool, evita sair na rua e quando sai é de máscara e na chegada a roupa vai direto para a máquina de lavar.

Um homem que simplesmente não consegue retornar ao ritmo no chamado de normal mesmo após as vacinas finalmente conseguirem pôr fim aos dias de isolamento. E isso acaba impactando em sua vida familiar e na social de forma devastadora.


Recorda-se bem da apreensão naquela noite de 2020, quando a saturação do filho caiu para 89%.


Por seguir todos os cuidados ainda nos dias de hoje, pois na minha casa ainda temos quem espere a vacina, já havia me pegado pensando em como seria romper esta bolha de proteção com a mesma despreocupação de antes.

Então quando li este conto, confesso que bateu um medo enorme de ficar como o Heitor e ter dificuldade de voltar a fazer as malas e voar as tranças pelo mundo. Então posso dizer que foi definitivamente a história que mais mexeu comigo.

A porta da rua

São as batidas na porta que dá acesso à rua que nos fazem entrar no conto de Caetano W. Galindo, no que parece um primeiro momento preocupante e depois se revela muito mais sensível.

Quem escuta essas batidas é Denise, que após a separação e com o filho adulto já tendo a própria vida, está vivendo sozinha na casa da sua infância. 

Logo após as batidas, segue-se uma voz chamando pelo nome de um homem, e isso desmorona as defesas da personagem trazendo lembranças do passado e muitas mágoas.


Ainda não se sentia em casa, de novo entre as cores e os volumes daquela casa.


Relacionando a porta com os laços familiares, o autor construiu um conto bastante sensível, em uma realidade não incomum na nossa sociedade. Ao qual é muito fácil sentir todas as emoções que inundam a personagem e compreender todos os seus momentos de dúvida e medo.

Luan Ângelo

Curiosamente é em tom de comédia que a coletânea se encerra no conto de Amara Moira.

Na história uma adolescente que tem o seu quarto no sótão, resolve comprar pênis artificiais para satisfazer o desejo que possui desde a infância de ser um menino.

Entre treinamentos para colocá-lo na cueca que mantém escondida da mãe e as tentativas de usá-lo para fazer xixi, a forma como os seus pais irão tomar conhecimento dos objetos é no mínimo inusitada.


Conheceram-se há poucos minutos e já eram como que parte um do outro.


Achei bacana a opção por encerrar a sequência de contos de forma mais leve, onde é impossível não escapar pelo menos um sorriso.

O que eu achei

No geral eu gostei, como pode ocorrer em qualquer coletânea, alguns contos atraíram mais o meu interesse do que outros. E apesar da nota citando o contexto da pandemia, a maior parte dos contos parece se passar antes deste período tão pesado, pelo comportamento dos próprios personagens.

Então sim, como diz o título, a base de tudo é uma casa. E de modo geral é possível caminhar por esta casa imaginária, cujos cômodos vão mudando de forma conforme memórias e ações são estimuladas a cada história que se alterna.

O que sem querer me fez olhar em volta e pensar o que me dizem cada espaço da minha própria casa. Que lembranças, desejos e planos futuros elas despertam na minha mente enquanto aguardo tudo passar.

Para quem ficou curioso, infelizmente o livro não está à venda nas livrarias, sendo, por enquanto, uma exclusividade dos associados da TAG.

Partes de uma casa
Vários autores
TAG - Experiências Literárias
2021 - 179 páginas

5 comentários:

  1. Bastantes contos nessa coletânea né, e com temas atuais. Não conhecia os autores, ótima oportunidade de ler obras de vários ao mesmo tempo :)

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  2. Olá Querida, Bom Ano Novo:)
    Não conheçia o livro mas estou muito curiosa pra ler.
    Muito Obrigada
    Bjs Karina

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  3. São contos bastante interessantes, a pandemia fez com que ficássemos em casa, no qual dentro do lar muitas pessoas sentem medo, angústia, solidão, é um bom livro bjs.

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  4. é muito bom histórias que nos fazem refletir, xom o dia a dia tão corridos,esquecemos de dar importância pra nossa casa e curtir os momentos nela.

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  5. O conto A porta da rua me deixou bem curiosa, mas eu carrego um Heitor dentro da minha cabeça, e me identifiquei com ele. Eu já me acostumei com esse novo "normal", e as vezes sinto que não teremos mais a tranquilidade de outros tempos.

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