terça-feira, 9 de novembro de 2021

A extinção das abelhas



Sinopse: Regina foi criada pelo pai, que faleceu quando ela começava a entrar na vida adulta - a mãe fugira com o circo quando ela ainda era criança. As vizinhas, Eugênia e Denise, cuidam dela como podem, oferecendo afeto, dinheiro e uma vida em família que lhe faz falta. O círculo se completa com Aline, filha do casal e amiga-irmã de Regina. Na seara amorosa, seu relacionamento mais estável foi com Paula, professora universitária com quem se envolvera e que nunca quis nada sério. Quando o mundo começa a desabar, na esteira do uso desastrado de pesticidas agrícolas, Regina vê todos a sua volta indo embora, e começa a questionar até que ponto está disposta a enfrentar os próprios medos para se adequar a uma nova realidade.

A escritora gaúcha Natalia Borges Polesso leva o leitor para o futuro em um Brasil pré-apocalíptico, onde narra em paralelo a história da mãe e da filha.

A filha é Regina, uma mulher de 40 anos criada pelo pai deste que ambos foram abandonados pela sua mãe, ao qual desconhece se está viva ou morta. Apesar de formada, ela não encontra emprego em lugar nenhum, precisa pagar para receber a insulina que deveria ser gratuita e acaba se tornando stripper virtual para ganhar algum dinheiro e assim seguir com seus sustento.


As pessoas vão embora, e isso é uma realidade.


Extremamente ansiosa direciona tudo para a comida e leva uma vida relativamente reclusa, salvo Denise e Eugênia que estão sempre prontas para ajudá-la. Mas isso não evita que ela as julgue por terem uma situação financeira melhor. E assim muitas vezes se mostra contrária aos conselhos recebidos, o que gera algumas dificuldades extras em sua vida solitária.

Já a mãe, chamada Guadalupe, divide com o leitor a sua ânsia de buscar por novos mundos, fazendo com que frequentemente ela abandone a todos os que estão à sua volta para recomeçar em outro ponto. 


As pessoas dizem que eu devia parar de fumar, parar de beber, maneirar na gordura, no pão branco, no açúcar, mas como é que se faz isso?


É uma alma livre em relação a laços, sexualidade, padrões, tradições. E talvez por isso não se consiga pensar em julgá-la por ter abandonado uma filha, pois fica claro que aquela é a natureza dela, e impedir isso seria matá-la.

A Extinção das Abelhas é um livro dividido em três partes, nos quais a autora escolheu diferentes formas de contar a sua história, deixando claro o início e o fim de cada fase da narrativa. 


Mas a primeira coisa que ela disse quando me viu foi que, se as abelhas entrassem mesmo em extinção, o mundo ia acabar.


Na primeira parte as últimas frases dos capítulos não possuem ponto final, deixando um link para o título do próximo capítulo ou simplesmente uma ideia não completada, como um pensamento que se perde ou uma conversa interrompida. Não me lembro de ter lido algo parecido antes e achei o recurso muito interessante, pois me impulsionavam automaticamente a seguir com a história.

Na segunda parte os capítulos misturam notícias reais - algumas facilmente verificadas em uma rápida consulta ao Google - com a de um futuro não muito distante e bastante conturbado, com fechamento de fronteiras, lockdown de estados colapsados, cidades que se tornam verdadeiros lixões e a chegada de um segundo sol que impede o anoitecer e assim o sono profundo que nos faz descansar. O que me fez ficar com a voz da Cássia Eller durante toda esta parte cantando a composição O Segundo Sol do Nando Reis em minha mente.


Ser adulta era saber chorar as coisas, saber que não se pode pagar por tudo, que às vezes não se pode pagar e ponto.


Na terceira e última parte os capítulos são de fechamento, contanto ao leitor o destino de Regina e Guadalupe após o colapso total.

Além disso é possível dizer que os capítulos são relativamente curtos, tendo alternados conforme a necessidade o uso de primeira e terceira pessoa complementam a imersão da história.


Eu quis fazer tudo o que me daria prazer verdadeiro, eu acreditava.


Algumas curiosidades da história é que a personagem mora no estado do Rio Grande do Sul, e quase todos os relacionamentos retratados são homossexuais femininos, o que abre espaço para discutir uma maior perseguição as lésbicas neste futuro nem tão distante onde o mundo se tornou o caos, com violência injustificada, estupro de mulheres e dificuldade inclusive de atravessarem as fronteiras de países vizinhos.

Na história também fica claro que todas as vozes são de mulheres, os personagens masculinos são secundários nos assuntos abordados, é um pai, ou empresário, o dono da venda, o cliente, figuras que orbitam ao redor de uma trama onde dores, resiliência e sonoridade são as palavras chaves neste universo feminino.


Memórias de dias em que eu podia me dar o luxo de jogar metade do café fora porque não tinha fome nem preocupações.


Como ocorre em O deus das avencas do Daniel Galera, toda a mudança política no Brasil parece ocorrer após a eleição de 2018. Mas aqui o tempo ocorre depois, já houve outras eleições, e no tempo atual de Regina o presidente da história é um ex-apresentador casado com uma apresentadora infantil - facilmente identificado pelos leitores atuais, que talvez fiquem mais aliviados durante a leitura por saberem da troca de emissora do Faustão.

Eu, que desconhecia a escritora, particularmente achei o livro bem interessante, primeiro por observar, não só na escrita da Natalia Borges Polesso, como em outros livros que surgiram de 2020 pra cá, como a pandemia trouxe à tona uma preocupação mais urgente com o meio ambiente, as diferentes visões de caos onde as diferenças sociais se tornam ainda mais acentuadas, o aumento da fome, do preconceito, do acesso ao básico e naturalmente, as doenças.


Depois da morte das abelhas, repensaram os limites do consumo, mas já não havia muito.


Vejo toda essa literatura como um aviso, de que ainda não é tarde demais para mudar o curso da nossa história e consequentemente do nosso planeta.

Um livro sobre morte, solidão, amor, sobrevivência, relações humanas, preconceito, causa e consequência. Resumindo: um pré-apocaliptico que não é nada inverossímil.


A Extinção das Abelhas
Natalia Borges Polesso
Companhia das Letras
2021 - 307 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

6 comentários:

  1. Muitas vezes precisamos enfrentas os nossos medos, passamos por perdas, solidão, essas coisas nos faz recurar, o livro nos trás uma reflexão que temos que olhar pra nós, pra nossas escolhas, mudar, é um bom livro, bjs.

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  2. Oi
    Eu adorei a sugestão de leitura 📚 ainda não conhecia o trabalho da autora é bem interessante

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  3. Parece uma leitura muito interessante, fiquei curiosa para ler A Extinção das Abelhas e acompanhar a história da Regina e da Guadalupe. Muito legal a preocupação da autora com o meio ambiente.
    Bjs!

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  4. O livro é interessante, gostei de saber que a autora é minha conterrânea!

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  5. Oi, tudo bem? Não conhecia o livro, mas gostei da indicação. Um abraço, Érika =^.^=

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  6. Oi, tudo bem?
    Adorei o post, amo ler e com certeza vou adicionar a minha lista de leitura. A dica foi ótima vou até salvar para poder ver de novo quando precisar <3

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