terça-feira, 30 de novembro de 2021

Casa de Alvenaria - Volume 1: Osasco



Sinopse: Neste primeiro volume, Carolina narra os meses em que morou em Osasco, entre agosto e dezembro de 1960. Por meio deste testemunho precioso, acompanhamos a repercussão de seu primeiro livro, as viagens de divulgação e o contato frequente com a imprensa e com os políticos. Dessa narrativa do cotidiano, e entremeadas às contradições de seu tempo, emergem digressões e reflexões que permanecem mais atuais do que nunca.

Casa de Alvenaria faz parte dos conjuntos de diários de Carolina Maria de Jesus, que é considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século XX. Mineira de nascimento que morou quase toda a vida em São Paulo, alcançou sucesso nacional e internacional ao revelar como era a sua vida morando na favela no livro Quarto de despejo. Sucesso que desagradou seus vizinhos e a fizeram ir junto com os seus três filhos para Osasco, em uma casa alugada provisoriamente até ela ter condições de comprar sua própria moradia.

Em plena divulgação e atendendo a um pedido do repórter Audálio Dantas que descobriu a sua escrita e passou a ser seu agente literário, ela passou a escrever um diário de sua nova vida, agora morando em uma casa de alvenaria, com comida na mesa e muitas viagens.


Ela diz: agora nós somos ricos porque temos o que comer até encher a barriga.


O volume um se refere justamente a este tempo que Carolina e seus filhos moraram em Osasco, narrando o período de 30 de agosto de 1960 até 20 de dezembro de 1960, véspera de natal.

Eu desconhecia a escrita de Carolina, ainda não li Quarto de despejo, e a primeira coisa que me chamou a atenção foi a desenvoltura em escrever tendo frequentado apenas dois anos a escola regular, e tendo se desenvolvido através da leitura, em muitos casos, através dos livros encontrados nas casas em que trabalhava. Tornando-a autodidata.


Pensei: ah dinheiro... invenção diabólica e enigmática que escraviza o homem e liberta o homem.


O diário que começa com a saída conturbada da favela, logo nos mostra uma Carolina ora deslumbrada ora exausta com sua nova vida. É recorrente ela comentar com os outros que tem dinheiro, e isso acaba atraindo todo o tipo de pessoa na sua porta, tentando tirar algo dela.

É gente querendo comprar casa, comprar carro, montar um negócio. E ao ver os valores em reais é fácil para o leitor identificar que sim, ela estava muito melhor de vida do que na época da favela, mas longe de ser rica para atender a todos os urubus que batiam em sua porta.


Não me preocupei com as confusões porque a humanidade é tão nojenta que é melhor silenciar-se diante de certas atitudes.


Também pela sua escrita se nota o racismo pulsante, seja através da empregada branca que sente raiva de ter uma patroa negra e se nega a beber em um copo da sua casa, seja de um homem que corrigi as vírgulas da sua dedicatória, seja nas mesas chiques em que ela se senta nos conceituados restaurantes ou nos hotéis em que se hospedou na época. Ou até mesmo em sua nova vizinhança, onde os filhos são espancados durante a sua ausência, em uma clara rejeição de sua presença no local.

Em contrapartida ela é vista como um amplificador de voz para negros e pobres, que com frequência pedem para que ela inclua determinado relato em seu diário, com a expectativa de que o fato seja conhecido e reconhecido por aqueles que tem algum poder e assim solucionado as questões que vão da fome, da falta de condição básica ao fechamento de uma banca de livros.


O mundo é bom só até os trinta anos. E Jesus morreu com trinta e três.


Como qualquer ser humano, Carolina também expõe suas contradições, como alguns comentários machistas e generalistas - embora ela seja facilmente um exemplo de mulher independente que toca a vida sem um marido do lado -, ou as vezes que exagera no que acredita saber, como no caso da visita aos doentes de câncer em que diz já existir remédio. 

Mas o que mais me chocou durante a leitura foi o agito que transformaram a vida dela, como uma boneca de pano ela é jogada de um lado para o outro, podendo estar em três estados em um mesmo dia. Ninguém pergunta se ela está de acordo com a agenda, se precisa se organizar com os filhos, que devido à mudança nem estão mais frequentando a escola. 


A minha vida está confusa. Eu não tenho tempo para ler, e eu tenho tantos livros.


O trabalho de divulgação do seu livro Quarto de despejo foi no mínimo extenuante, onde além das sessões de autógrafos, havia encontro com empresários, políticos, entrevistas na TV e publicidade. Não sendo raro ela sentir o impacto do sono e do cansaço.

Para o leitor é acompanhar um pedaço da história do Brasil sob o olhar de Carolina, que opina livremente sobre o que admira e o que discorda no comportamento apresentado pelos poderosos. Opinião esta que a faz temer um pouco a publicação do novo diário, pois se o primeiro gerou pedrada, os agora criticados podem lhe atirar balas.


Comparando os políticos da atualidade com o saudoso Dom Pedro, ele foi mais distinto.


Um livro para quebrar a bolha de quem vive longe da pobreza e entender como o país funciona para quem não tem nada, para admirar toda a persistência e superação que Carolina atinge usando uma caneta, para refletir como tudo é mais amplo que o nosso umbigo.

Deixo ao final uma observação, a edição da Companhia das Letras mantém a grafia original da autora, isto é, não fez nenhuma correção gramatical. Como sei que alguns leitores se incomodam com isso, optei em incluir esta informação, embora ache que em nada desabone o livro, pelo contrário, torna Carolina ainda mais viva para os leitores.

Casa de Alvenaria - Volume 1: Osasco
Carolina Maria de Jesus
Companhia das Letras
2021 - 220 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

7 comentários:

  1. Carolina é uma escritora brilhante, ela expor no livro essas barreiras que a essa sociedade racista teme em mostrar, é um livro incrível, bjs.

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  2. Oi
    Que maravilha essa dica 🙂 eu adoro o trabalho da Carolina ela é uma grande autora e merece sempre ser lembrada

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  3. Não sei se é meu tipo de livro, mas acho que deve ser uma leitura interessante, é como ver a vida sobre outro prisma, com outros olhos.

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  4. Uma ótima leitura , ainda não li nenhuma obra do conjunto do diário de Carolina, mais a casa de Alvenaria já está em minha lista.

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  5. Oie minha linda! Esse livro parece muito interessante. Aqui tenho o quarto de despejo , mas ainda não li. Quero muito conhecer as obras dessa grande mulher. Como você disse os temas que ela escrevia estão mais vivos do q nunca ainda hoje.


    Beijos,
    Paloma Viricio

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  6. Oi, tudo bem? Li alguns comentários sobre o livro mas não imaginei que a história era tão rica em detalhes. Espero ter a oportunidade de lê-lo. Um abraço, Érika =^.^=

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  7. Muito interessante, vou colocar na lista de leitura!

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