quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Aprender a falar com as plantas


Sinopse: Paula é uma médica neonatologista, imersa no trabalho, que leva a vida sem muito sobressaltos. Até o dia em que perde o companheiro num acidente de trânsito algumas horas depois de receber a notícia de que ele tinha outra mulher. Então Paula precisa lidar com o luto dobrado, a dor da traição e o rancor, tudo isso num apartamento repleto das plantas deixadas por ele. E o rastro de uma mulher vista no hospital é o último laço com um homem que passou quinze anos ao seu lado e deixou de existir de forma súbita e bruta.

No mês de outubro/21 a TAG Curadoria trouxe uma indicação da escritora brasileira Socorro Acioli, que me apresentou a autora catalã Marta Orriols e o seu Aprender a falar com as plantas. O mimo foi um kit de sementes.

Paula é uma médica dedicada com um grande sentimento de proteção em relação aos bebês prematuros que estão aos seus cuidados. Aos 42 anos tem um laço forte com o pai e saudades da mãe que morreu quando ela tinha sete anos de idade.


Estávamos vivos. Os atentados, os acidentes, as guerras e as epidemias não nos concerniam.


Uma verdadeira workaholic consegue conservar três grupos de amigos: os do trabalho, os da faculdade e os que vieram com Mauro, o homem que conseguiu quebrar as suas barreiras sobre morar junto, mas não sobre oficializar a relação ou ter filhos.

Tudo parece estável, dentro de uma rotina, quando ele a chama para almoçar e lhe comunica que a está deixando por outra mulher. Mais tarde ela é surpreendida por um telefonema do melhor amigo de Mauro lhe informando que este foi atropelado e foi encaminhado em estado grave para o hospital. Local em que ela vai ter que equilibrar seus sentimentos junto com as presenças da família do parceiro e da amante até então desconhecida.


A lembrança da morte da minha mãe ficou vinculada para sempre à letra branca de giz sobre o verde da lousa que dividia o reino animal em dois.


E é com estes dois finais abruptos em poucas horas que ela precisa lidar e recomeçar, já que não sabe mais pelo que chora, se pelo fim do relacionamento cujas conversas com a amante agora pode acompanhar em detalhes no celular do falecido ou pela morte do companheiro de longa data.

Dividindo a história em Antes e Depois a escritora catalã Marta Orriols utiliza a narração em primeira pessoa para colocar o leitor dentro da mente de Paula e assim compartilhar suas memórias e sentimentos. E é através dos olhos de Paula que percorremos as ruas de Barcelona enquanto ela corre ou simplesmente comenta as características dos bairros.


Morrer não é místico. Morrer é físico, é lógico, é real.


Um ponto curioso foi a opção dos tradutores em deixar as falas da enfermeira Pili no original, não é nada que atrapalhe a leitura, pois são frases de fácil entendimento, mas confesso que estranhei um pouco este fato.

Aprender a falar com as plantas é um livro sobre o luto, a morte, a solidão e como é difícil recomeçar. Ao mesmo tempo que lança questionamentos como o do porque muitas mulheres abandonam as suas verdadeiras escolhas para se adequar ao desejo dos seus parceiros, de como a morte também pode ser uma libertação para quem fica, se a pessoa estiver disposta a enxergar o que não lhe atendia a muito tempo.


Você estava morto e eu pensei que era um pau-mandado.


É também sobre onde estávamos quando a notícia nos atropelou, nos deixando sem reação e com uma marca invisível e eterna no calendário. De como administrar a dor dos que nos rodeiam, quando não sabemos lidar com a própria. Sobre não tornar santo quem nos magoou, e tentar apenas esquecer e perdoar.

A relação com os que estão a volta também é um assunto abordado na história. Sentimentos como o sufocamento aparecem tanto no presente quando as pessoas ao redor ora parecem querer assistir a sua dor e ora ficam cobrando uma volta por cima. Quanto no passado. ao relembrar as cobranças da família de Mauro em relação a filhos e as ligações persistentes da sogra que desconhece que o seu filho já havia trocado de parceira.


Como se todo aquele ódio e aquela raiva impregnados na minha saliva fossem o que matou ele.


O que ninguém consegue entender é que a sua dificuldade de retomar a vida é dobrada, já que Paula não compartilha a traição de Mauro, pois ela chora pela morte e pela mágoa que o falecido lhe causou. Incluindo questões de comparação com a outra mulher em relação à idade, características físicas e o próprio relacionamento, ficando claro em sua mente que mais do que paixão ele também procurava por um filho.

Tudo isso em uma casa cheia de plantas que eram cuidadas com muito amor por Mauro, mas não chamando a atenção de Paula da mesma forma. Transformando o jardim em um espaço de recordação vivida do parceiro que de qualquer maneira não iria voltar. 


Na realidade, o choro não tem uma função fisiológica concreta, mas é um efeito secundário da estimulação do sistema nervoso.


Em paralelo acompanhamos um pouco dos bebês que estão na neonatal, principalmente de Mahavir, cuja torcida por sua sobrevivência é inevitável. Sendo uma parte bastante sensível da história.

No geral foi uma história que gostei, achei a escrita da Marta Orriols de fácil leitura, embora a história seja bastante triste, pois o tempo inteiro está se falando de administração de perdas enquanto a personagem tenta se reencontrar. E isso a torna muito humana, com atitudes que podem gerar tanto simpatia quanto questionamentos de por qual motivo ela está seguindo aquele caminho.


Deveria ser possível esquecer no mesmo momento em que se toma a decisão de esquecer. Esquecer deveria ser imediato, senão lembrar se torna uma degradação, um ato de resistência.


Ficando a dica para quem gosta da escrita catalã, para quem procura livros cujo assunto é o luto, ou como sempre escrevo, para quem simplesmente gosta de ler.


Aprender a falar com as plantas
Aprende a parlar amb les plantes
Marta Orriols
Tradução: Beatriz Regina Guimarães Barboza e Meritxell Hernando Marsal
TAG Curadoria - Dublinense
2020 - 240 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autor da resenha.

4 comentários:

  1. Traição, luto são coisas que que afeta muito, realmente é difícil recomeçar, esse é um livro que faz a gente se emocionar, chorar, bjs.

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  2. Que interessante! Eu nao conhecia essa escritora. Adorei!

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  3. Olá, Tudo bem?
    Não Conhecia mas muito interessante:) Muito Obrigada
    Bjs Karina

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  4. Oie, tudo bem? Ah, que edição mais linda. Amei a proposta, não conhecia a autora. Um abraço, Érika =^.^=

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