domingo, 2 de agosto de 2009

Gomorra


Sinopse: As mercadorias "frescas", logo que nascem - objetos de plástico, roupas de grife, videogames, relógios -, desembarcam diariamente no porto de Nápoles para serem armazenadas e escondidas em prédios propositalmente esvaziados de tudo. Já as mercadorias "mortas", vindas de toda a Itália e de boa parte da Europa, sob a forma de resíduos químicos, material tóxico e até mesmo cadáveres e esqueletos humanos, são clandestinamente "despejadas" nas terras da região da Campânia. E lá contaminam, dentre toda a população, os próprios boss da Camorra, que constroem, sobre aqueles terrenos, suas mansões luxuosas e nababescamente absurdas - datchas russas, villas hollywoodianas, verdadeiras catedrais de cimento ornadas com os mais preciosos mármores -, que não servem somente para demonstrar a conquista do poder, mas também para revelar utopias delirantes, pulsões messiânicas e obscurantismo milenares.

O que um contêiner com homens e mulheres chineses mortos, a roupa que a atriz Angelina Jolie usou em uma cerimônia do Oscar, mulheres ocupando cargos elevados, pessoas mortas por balas perdidas, o IVA - Imposto Sobre Valor Agregado, tráfico de droga, disputa de território e corrupção tem em comum? 

Não, não é o morro do Rio de Janeiro, nem um dos filmes de mafiosos distribuídos por Hollywood, apesar dos integrantes dos clãs, pertencentes ao sul da Itália, imitarem a ficção. 

Suas portas mal fechadas se abriram bruscamente e dezenas de corpos começaram a cair.

Roberto Saviano descreve no seu livro de estreia algo que se tornou mais globalizado que o próprio capitalismo: o poder dos criminosos, nesse caso específico, a Camorra. 

Não é uma ficção, o jornalista se infiltrou na máfia napolitana para entender o que ela é, o seu modo de operação, seus tentáculos pelo mundo e as consequências disso.

Na tevê, Angelina Jolie pisava a passarela da noite do Oscar, vestindo um terno de seda branca, belíssimo. Aquela roupa tinha sido costurada por Pasquale numa fábrica clandestina de Arzano.
O primeiro lugar que somos apresentados é justamente ao porto de Nápoles, é neste ponto que chegam milhares de containers, com produtos de todos os tipos, e também os registros e as classificações para cobrança de impostos, onde o caro para o consumidor pode ser extremamente barato para a alfândega, até o descarregamento de mercadoria clandestina.

Na sequencia vamos para o funeral de um rapaz de quinze anos morto por policiais ao assaltar casais com arma de brinquedo, para depois ser apresentados para os estranhos leilões realizados pelas grandes grifes. E assim, página a página, vamos descobrindo mais e mais de como o sistema de uma organização realmente impressionante funciona.

Afinal, um império não se divide com um aberto de mão, mas cortando-se uma delas com um cutelo.

Gomorra não poupa detalhes. Em algumas páginas o leitor precisa realmente ter estômago, enquanto Saviano descreve as torturas ou os teste de novas drogas que são feitas em viciados. Não existe escapatória, pode ser pobre, padre, político ou arrependido, a única certeza para os que contrariam a Camorra é a morte. 

A Camorra são vários clãs criminosos, chefiada na sua maioria por homens jovens que acabam reféns do seu próprio poder. Debocham da velha máfia, pois são politicamente independentes. Suas fontes de dinheiro são variadas, podem vir da venda de armas para países em guerra ou de roupas fabricadas sob medida para populares atrizes desfilarem. 

Na guerra já não é possível ter relações de amor, ligações, relacionamentos, pois tudo pode se tornar um elemento de fraqueza.

Gomorra não é um romance. É um tapa na cara em um texto jornalístico narrado em primeira pessoa, onde depoimentos pessoais se misturam a investigações e histórias do passado. 

A narrativa de Saviano é forte, sua escrita tem fluidez e detalhes que nos fazem não só compartilhar o seu olhar, como sentir os acontecimentos. Desde a primeira página, quando o manobreiro conta num misto de pavor e incredulidade sobre os corpos com crachás pendurados no pescoço que caiam de um contêiner, o estômago aperta como um aviso, o que vem a seguir não é brincadeira.

Ser atingido na cabeça evita tremer de medo, mijar ou soltar fedor do interior dos buracos na barriga. 

Também é um banho de água fria nos que adoram uma grife e anunciam para toda imprensa que colaboram para a construção de um mundo melhor. Pois eles também contribuem, indiretamente ou por simples ignorância, para a máfia italiana. 

A propósito: Gomorra é uma das cidades destruídas por Deus, conforme é descrito no Gênesis, uma cidade, como muitas na Itália e em outros locais do mundo, onde a destruição, por uma escolha, um celular ou uma palavra, se tornam banais. Onde os honestos não têm vez e apenas os imorais possuem o poder sobre a vida e a morte.

São rapazes, mortes falantes, mortos vivos, mortos que se movem... Belos ou não, te pegam e te mantam, mas a vida já está mesmo perdida...

Um livro para quem quer entender mais o que consome, para quem leu a Série Napolitana da Elena Ferrante e quer saber mais, um livro para compreender como as organizações criminosas funcionam e são mais resistentes que qualquer governo. Um livro que eu simplesmente recomendo a leitura.

Gomorra
Roberto Saviano
Tradução: Elaine Niccolai
Bertrand Brasil
2006 - 349 páginas

4 comentários:

  1. Esses dias quase peguei esse livro pra ler, mas fiquei meio em dúvida... achei super interessante a resenha...

    beijos,
    Dé...

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  2. Olá! Adoro seu blog e sempre acompanho suas dicas.
    Estou iniciando um blog, quando tiver tempo me faça uma visita.

    abraço
    www.lendo-entrelinhas.blogspot.com

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  3. Oi! Não li o livro, mas assisti o filme e detestei. De repente, o livro é interessante - como geralmente ocorre. Mas quero te dizer algo, ou melhor, deixar registrado aqui: a tua resenha está excelente. Melhor de todas que eu li na mídia sobre o livro e filme. Parabéns!

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  4. Concordo com a Kelli, a resenha está muito boa. Já houvi falar do livro, fiquei com vontade de ler. Mas vou esperar para uma fase pós-parto para não me estressar. beijo

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