terça-feira, 15 de março de 2022

Pesado



Sinopse: Uma memória, uma confissão, uma catarse. Entre relatos dilacerantes e sempre vigiado por uma onipresente (e rígida) mãe, Kiese Laymon disseca sua própria vida neste que talvez seja um dos livros mais sinceros dos últimos anos. Um texto escrito não só com palavras, mas também com dor, ginga, peso, subversões da língua e abundância negra. E que reverbera dentro de nós uma pergunta de difícil resposta: até onde a vida nos dobra?

Em janeiro/22 recebi como associada da TAG Curadoria a indicação da maravilhosa escritora Alice Walker chamado Pesado, livro de memórias do autor e professor Kiese Laymon. De mimo recebi um planner para o ano de 2022.

A primeira coisa a se dizer é que Pesado pode ser definido como mais do que um livro. Ele é uma carta, um desabafo, o abrir de um coração com todas as suas dores, mágoas, perdas, complexos e reflexos que levam o leitor através da escrita vestir por algumas páginas todo o peso que um homem carrega desde os primeiros anos de vida.

Eu não queria escrever para você. Eu queria escrever uma mentira.


E por este motivo Pesado entrou na minha categoria de livros que são difíceis de resenhar, apenas porque parece que não há palavras suficientes para explicar a forma como ele mexe com diferentes sentimentos, sejam eles de identificação ou de incredulidade as ações das pessoas. Mas irei tentar.

O autor e professor Kiese Laymon divide suas memórias em quatro partes, mais uma introdução e o capítulo que fecha o livro, mas não a sua história.

A palavra que me surgiu na cabeça foi "felitristeza", assim mesmo, sem espaço e sem hífen, aglutinada.


Como uma carta para a mãe, ele retorna à adolescência e compartilha segredos antes guardados da figura materna, as surras levadas que marcam sua pele, a ansiedade e tristeza que se transformam em uma compulsão por comida, os sentimentos em relação a própria família e os homens com os quais sua mãe se relaciona.

E assim, em cada parte que se inicia, é possível observar que ele cresce não só fisicamente em altura e peso, como em relação a sua visão de mundo, tendo em um primeiro momento um espírito jovem cheio de esperança e força para escolher as suas próprias lutas, nem sempre atuando da melhor maneira conforme sua mãe, até chegar à vida adulta.

Vovó gargalhava e gargalhava até a risada dela se acabar quando eu chamava aquele queijo do governo de queijo afro-americano gourmet.


E conforme ele precisa se dobrar aos que estão em sua volta e se reconstruir, é necessário engolir os próprios sapos, cair, quebrar e se levantar. E foi assim que algumas das suas reações me fizeram lembrar de uma música da Elis Regina, começou com aquela parte que diz 'Ainda somos os mesmos, E vivemos, Como os nossos pais' até na minha mente ela abraçar o próprio livro.


O que você irá encontrar...

O Pesado do título é literal e mental. Kiese Laymon é um jovem gordo e negro, vivendo em no sul dos Estados Unidos, sendo mais específica, no Mississippi, onde o racismo pulsa devido a uma parte da população querer subjugar a outra com base em critérios de puro achômetro, acreditando em uma superioridade nunca comprovada.

Desde os primeiros anos este jovem verá a violência sexual e física de meninas e mulheres enquanto lambe as suas próprias feridas após apanhar de uma mãe raivosa, que parece descontar no menino o que não consegue controlar. Enquanto o pai é uma figura muito distante, ao qual as vezes até esquecemos da sua existência.

Às vezes você me batia com toda a sua força bem no meio da minha boca com cintos, sapatos, punhos e cabides.


Este menino também irá crescer e viver com pedidos como não ande a noite, não corra, cuidado com o corte de cabelo...nunca se sabe o que a polícia irá pensar. Até chegar à universidade e ser hostilizado pelo que ousa escrever e publicar, e mais tarde ver que nem sempre terá reconhecimento, por mais que se esforce.

E assim os leitores terão uma visão realista das escolhas, da humilhação e do sofrimento imposto por tamanha desigualdade enfrentada pela comunidade negra nos Estados Unidos, mesmo eles sendo tão americanos quanto os brancos que o julgam.

Ser duas vezes mais excelente do que os brancos vai te conseguir metade do que eles conseguem.


E como é impossível se manter 100% são nestas condições, Kiese Laymon apresenta compulsão, e esta compulsão também irá se modificar ao longo do caminho, tendo outros direcionamentos enquanto ele cresce. E embora ela mude o foco, em nenhum momento desaparece de sua vida.

Mas apesar de tudo, ele não desiste, e se o jovem Kiese desperta o desejo de entrar no livro e acolher o menino em um forte abraço, o homem Kiese provoca o desejo de lhe dizer: levanta e não desiste, sua luta é justa, siga evoluindo, aprendendo e fazendo a diferença.


O que eu achei...

Eu gostei muito da leitura. Quem acompanha o Instagram do blog deve ter notado uma longa distância de tempo entre uma leitura e outra, justamente porque Pesado não é um livro para se ler rapidamente.

O tempo inteiro ele mexeu com os meus sentimentos, algo em mim doía quando ele apanhava sem motivo algum, algo em mim entendia quando ele tentava transformar o que lhe consumia em atos como comer ou fazer muito exercício. 

Eu queria o dinheiro, a segurança, a educação, as escolhas saudáveis e as segundas chances que eles nos proibiram de ter.


Ao mesmo tempo achei muito interessante o uso frequente de uma frase, que aparecia nas situações mais tranquilas e harmônicas onde ele dizia que alguém deu risada e deu risada e deu risada até que a risada acabou. Nesta hora algo era aquecido com o calor daquela gargalhada que parecia sem fim.

Um livro para sentir o racismo na prática, sem lente de aumento, sem anestesia, onde é impossível não sentir raiva com as situações diversas.

E eu sabia que o poder de cometer abusos destruía o interior dos homens tanto quanto destruía o interior e o exterior das mulheres.


De bônus há muitas referências literárias, afinal, ele além de ser professor vem da casa de uma professora, e os livros são instrumentos cotidianos de informação e educação.

Como não sei se consegui transcrever em palavras tudo o que senti, fica apenas a dica: leia. 


Pesado
Heavy, an american memoir
Kiese Laymon
Tradução: Davi Boaventura
TAG - dublinense
2018 - 288 páginas

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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.

4 comentários:

  1. É um livro emocionante que mexe com a gente, infelizmente a desigualdade, o racismo ainda existe, é uma história que comove, bjs.

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  2. Oi, tudo bem? A tag sempre surpreendendo com títulos diferentes. Fiquei curiosa para ler. Um abraço, Érika =^.^=

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  3. Oi
    Eu gostei da sugestão de livro 🙂 a história é bem interessante e atual. Vou ler com certeza

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  4. Oie!! É um livro forte, interessante. Como disse, apesar de nao ser uma leitura rápida, vale ler o relato. Acho que tramas assim nos motiva.

    Esses lugares dos usa realmente tem muitos casos de racismo. Triste julgar os seres pela cor da pele.

    Beijos,
    Paloma Viricio

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