terça-feira, 22 de março de 2022

A Dama de Branco



Sinopse: Este volume reúne dezessete contos, entre narrativas esparsas - publicadas em jornais, revistas e sites - e textos inéditos, resgatados do computador de Sérgio Sant'Anna depois de sua morte. A segunda parte traz "Carta marcada", novela inacabada na qual o escritor vinha trabalhando com afinco e entusiasmo. Aqui está o estilo implacável e provocador que consagrou o autor de O voo da Madrugada como um verdadeiro mestre da literatura contemporânea.

Com apresentação e organização de Gustavo Pacheco, o livro A dama de branco é a despedida do escritor Sérgio Sant'Anna que morreu em maio de 2020, sendo mais uma vítima da Covid-19.

O livro reúne onze textos publicados no período de outubro de 2018 a maio de 2020 e textos inéditos encontrados em seu computador aos quais estavam sinalizados como finalizados ou tinham qualidade suficiente para comporem o grupo de contos.

Não escrever também exigia aplicação e disciplina diárias, o que ele conseguia a duras penas.


Como sempre ocorre quando há muitos contos, a resenha não irá passar um a um, mas sim dar uma ideia geral do que eu encontrei na leitura.

E falando em geral, uma coisa que todos os contos e a pequena história final possuem em comum é o fato de girarem em torno da morte, idade – sendo mais específica a velhice - e do sexo. 

Outros, como eu, trazem a palavra da dúvida de nenhum Deus, do vazio absoluto no infinito do universo.


Algumas das histórias, talvez por justamente serem publicações de jornais e revistas, me pareceram estar mais para crônica do que para o conto. Principalmente as que abrem o livro, como Anticonto e O pregador.

Também há contos relacionados com a memória, seja aquele se e sua eterna dúvida ou sonhos que trazem antigas lembranças como em O bordel e Tarzan e o império perdido.

Ele jamais poderia garantir se aquilo aconteceu verdadeiramente ou se foi fruto da sua imaginação afetada pelos remédios.


Há também a escrita, sempre ela povoando a imaginação dos que a escolhem como profissão, como no conto que abusa da palavra do título Vejo e Um conto quase mínimo.

Outro ponto interessante é que eles possuem muito do cotidiano com um toque de fantástico, como o pregador e suas falas na rua, ou o empresário que mata a mulher ou até mesmo o ser que apareceu no aparelho de tv.

Agora, aos oitenta anos, sinto-me só e não muito lúcido, pois falo sozinho, às vezes me vejo fazendo as coisas com ela.


Uma das curiosidades é o fato de dois contos darem os diferentes caminhos para uma situação que começa igual. É a história de Margarida que descobre sofrer de esclerose lateral amiotrófica e assim, através da narrativa do seu marido nos deparamos com suas escolhas em Por que escrevo? e Em preto e branco.

No geral os contos são bastante curtos, tendo uma média de três páginas, o que permite facilmente para quem gosta, como eu, de intercalar livros de histórias curtas com os de longa narrativa.

E meu inconsciente me mostrava que a fidelidade, como alguém me disse, é uma renúncia, para homens e mulheres.


E como indicado na apresentação, quem fecha o livro é uma novela ao qual ainda não havia passado por revisão chamada Carta Marcada. E por isso ficaram algumas pendências a serem corrigidas, como um problema nítido na linha do tempo, que pula dos anos 1960 para os dias atuais como se houvessem passados poucos anos e os personagens saem da ditadura diretamente para o smartphone e o Uber. Mas como era um projeto que o autor tinha muito carinho, foi incluído em seu último livro.

A carta é direcionada ao grupo de Alcóolicos anônimos ao qual o personagem principal relata episódios de sua vida desde a adolescência. Da aprovação no curso de direito ao seu namoro monitorado com Simone e o interesse pela menina-moça que era Alessandra, a irmã que ficava de acompanhante para que eles não fizessem nada errado.

Vejo, na capela do colégio interno, a imagem da Virgem Maria. E peço a ela que me faça feliz na vida.


Aqui temos um homem em que a bebida não interfere em seu sex appeal, pois nenhuma mulher resiste ao seu charme, e as suas relações são as mais diversas. 

Com emprego garantido pelo seu pai, é um homem que não se esforça em sua profissão, sendo um bon-vivant carioca.


O que eu achei...

A Dama de Branco foi o meu primeiro contato com a escrita de Sérgio Sant'Anna e achei a sua escrita bastante fluída, inserindo facilmente o leitor no cotidiano, com ênfase no carioca, e reflexões dos seus personagens sobre situações comuns.

O que me incomodou, e pode incomodar também outras leitoras é o extremo machismo dos personagens homens, algo facilmente identificado em vários contos. Sendo mais acentuado em Carta Marcada, onde em uma das cenas o personagem aproveita que a esposa está adormecida sob efeito de remédios para ter relações com ela. E a pergunta que ficou martelando o tempo todo na minha cabeça durante a leitura era se descrição da cena não era um estupro mascarado de fetiche? 

E não deixei também de notar que ela estava de bom humor nessa manhã, embora só comentasse, ligeiramente, que seus estudos estavam indo bem.


Exagero da minha parte? Não sei, já que o próprio personagem se questiona sobre isso e depois leva a entender que com o tempo se tornou algo que agradava aos dois. Mas isso só aumentou o bolo que eu já vinha acumulando no estômago após as observações que o mesmo personagem já havia feito sobre uma menor de idade.

Em contrapartida, pode-se dizer que ao mesmo tempo que o narrador se exibe com suas façanhas sexuais para os seus companheiros de Alcoólicos Anônimos, ele dá uma visão do comportamento de uma pessoa egoísta e mesquinha, e porque não dizer com um toque considerável de escrotice. 

O importante neste conto quase mínimo é que ele traga momentos muito breves de felicidade, para quem o lê e para quem o escreve.


O que torna muito fácil transferir para os personagens do livro sentimentos que acumulamos de homens reais com atitudes tão ou mais grotescas que os de A Dama de Branco. Ficando a dica para as meninas: se querem uma relação saudável, procurem homens diferentes dos descritos neste livro.

Mas mesmo com todo o incômodo, deixo aqui a dica para quem gosta de contos e crônicas, busca ler mais escritores brasileiros e não se incomoda a ponto de interromper a leitura com personagens que podem facilmente ser encontrados em nossa própria rotina.


A Dama de Branco
Sérgio Sant'Anna
Companhia das Letras
2021 - 188 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

6 comentários:

  1. São contos geniais, quem gosta de leituras assim com certeza vai gostar de ler, muitas vezes contos nos surpreende, ótima indicação de livro bjs.

    ResponderExcluir
  2. Eu adorei a literatura, quero o ler completo!

    Obrigado pela ótima indicação 🥰👏👏👏

    ResponderExcluir
  3. Oi
    Eu adorei a sugestão 🙂 gosto muito de contos,já quero ler

    ResponderExcluir
  4. Oi, tudo bem? Que capa mais linda. Já pensei no RJ e quando morei lá. Que triste o autor ter partido, uma pena. Um abraço, Érika =^.^=

    ResponderExcluir
  5. Adorei a indicação da Dama de Branco, já vou ler, adoro esses contos. Obrigada por compartilhar.

    ResponderExcluir
  6. Olá, tudo bom?

    Eu gosto bastante de obras com contos, pois são sempre boas leituras. Saber que os contos nesse livro são pequenos me anima, mas essa questão do machismo dos personagens também me incomodaria. Mesmo assim, espero ler em breve!

    Beijos!

    ResponderExcluir