sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A árvore mais triste o mundo



Sinopse: Neste romance arrebatador, Mariana Salomão Carrara — vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2023 — se reafirma como uma das escritoras mais talentosas da novíssima literatura brasileira. O centro da trama de A ÁRVORE MAIS SOZINHA DO MUNDO é ocupado por Guerlinda e Carlos, casal que vive com os filhos em uma pequena roça no Sul do Brasil e se dedica ao cultivo do tabaco. Na dura época da colheita, a mãe de Guerlinda é chamada para ajudar nos trabalhos, e sua chegada transforma os já desgastados contornos da rotina familiar.

No mês de julho/2024 a TAG completou uma década de história, e como de costume, foi a curadora na sua edição de aniversário. O livro escolhido para comemoração foi A árvore mais triste o mundo da escritora paulista Mariana Salomão Carrara. E o mimo foi super especial: uma coletânea inédita de contos de Franz Kafka.



O casal Guerlinda e Carlos vivem seus dias dedicados exclusivamente ao plantio de tabaco em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul.

Contam com a ajuda integral da filha mais velha Alice, uma adolescente que não completou os estudos, e que no pouco tempo livre alimenta suas redes sociais e sonha em ganhar uma competição de beleza.

Excecionalmente, porém, gosto de dizer que reflito muito, reflito tudo, mas reflito muito sobre esta família, que é a família que eu tenho hoje e é a que posso refletir.


Maria, a filha do meio, ainda divide o seu tempo entre frequentar a escola e trabalhar na lavoura. A menina e sonha poder estudar mais para conseguir dar uma vida melhor a família.

Já Pedro, o caçula, é ainda um bebê que aprendeu cedo a importância de ser não tranquilo e quieto e não atrapalhar os pais.

Lavam os pratos em silêncio, que no fim de contas é o mais contagioso que há aqui, o silêncio, passa depressa de uns para os outros.


O casal precisa administrar os efeitos colaterais dos venenos utilizados em suas folhas de tabaco, as dividas enormes que não param de ser geradas pela empresa que compra o resultado da lavoura, a rebeldia da filha adolescente e a falta de dinheiro até para o básico.

Gerando a necessidade de solicitar a ajuda da mãe de Guerlinda no período da colheita, trazendo um novo olhar sobre a apatia de Carlos e as relações familiares.


A escrita de Mariana Salomão Carrara

Dividindo-se entre a defensoria pública e o mundo literário, a autora Mariana Salomão Carrara possui contos, poesias e romances publicados, sendo o último o objeto desta resenha.

Em A árvore mais triste o mundo a escritora separa a história em duas partes e utiliza-se de quatro narradores: a árvore que fica no pátio em frente à casa, o espelho português que fica na sala da família, uma roupa de proteção utilizada para passar o veneno nas plantas e a caminhonete rural da família.

No final sua vida seria melhor sem um espelho, mesmo tão linda, seria mais tranquilo ser como nós da natureza, a flor não sabe de si.


Cada um deles possui uma linguagem própria, e sua visão pessoal de cada integrante da família e de suas reações em relação a situações que eles enfrentam, narrando não apenas o presente como o passado, tudo em primeira pessoa. 

O espelho tem o sotaque e alguns termos da sua origem portuguesa, é o que compartilha os segredos da casa e muitas vezes imagina o que os moradores estão pensando. A caminhonete rural me lembrou o personagem Mate do filme carros pela forma de falar. Já a árvore me fez recordar o maravilhoso livro A ilha das árvores perdidas pela sua conexão com os humanos. E a roupa, com menor participação, é a mais neutra em relação a família, ficando mais focada no efeito que causa na pessoa que a está vestindo.

Mas os humanos me parece que têm uma coisa obscura, que é saber o que é certo, o que é melhor, mas fazer o contrário.


Uma curiosidade é a origem que deu a ideia para a escrita desta história: uma reportagem sobre a epidemia de suicídios em regiões produtoras de tabaco localizadas no sul do Brasil, citando entre as hipóteses os defensivos agrícolas e os grandes endividamentos enfrentados pelas famílias. 

Situação que agora ecoa entre as páginas e convida os leitores a mergulharem em um cenário tenso e complexo desconhecido por todos, deixando claro que os malefícios do tabaco não são exclusivos dos consumidores, mas que a produção de suas folhas também cobra um preço injusto para quem aceita ser fornecedor da matéria-prima.


O que eu achei de A árvore mais triste o mundo

Eu gostei de como a narrativa de A árvore mais triste o mundo foi construída. Na primeira parte temos o ciclo do plantio, onde narradores e personagens são apresentados, assim como a rotina extenuante e os sonhos, principalmente das meninas, como uma preparação para a segunda parte, onde o cansaço e as dívidas passam a gritar, assim como os sinais de depressão de Carlos.

E essa evolução bastante desesperançosa da história permite sentir e sofrer com a família, já subjugada a pobreza pelas empresas compradoras das folhas de tabaco.

Temos um impostor de olhos vazios, que além de tudo agora deixa as cabras livres para destruírem o tabaco com as suas tropelias.


Ao mesmo tempo se identifica facilmente a origem de como eles caíram na armadilha destas empresas, já que o casal não finalizou a escola e não raro assinam documentos enviados pela empresa sem entender na totalidade os efeitos. Deixando explícito a falta de escrúpulos das empresas, aumentando o meu desprezo por este produto que não tem absolutamente nada de bom.

Então não, não é um livro feliz, mas um livro que expõe uma realidade e nos coloca para acompanhar através de inusitados narradores que me provocaram diferentes sentimentos durante a leitura. 

Eles sabem tanto de amor. Era melhor saberem menos, assim acabavam logo comigo.


Como o livro se passa no RS, confesso que sendo gaúcha senti falta de alguns termos mais regionais, já que achei a forma de falar mais parecida com o interior do Paraná e de São Paulo, mas passada as primeiras páginas, este ligeiro incômodo foi passando, me permitindo mergulhar na leitura.

E assim deixo a dica para quem gosta de histórias inspiradas em fatos reais, de livros que compartilham realidades brasileiras, para quem não quer uma história leve e para os tradicionais ratinhos de biblioteca.


A árvore mais triste o mundo
Mariana Salomão Carrara
TAG - Todavia
2024 - 205 páginas


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