Sinopse: Uma escritora franzina, doente, cujo hobby era a criação de... pavões, vivendo em uma isolada cidadezinha norte-americana. Definitivamente, não parece ser a descrição de alguém que se tornaria uma das autoras mais influentes de nosso tempo. No entanto, foi assim que Flannery O’Connor, falecida precocemente em 1964, conquistou um lugar único no cânone literário do Ocidente. Sobretudo por meio de seus contos, essa jovem católica conseguiu criar um universo sem igual, em que a realidade decadente do Sul dos Estados Unidos se mescla a personagens grotescos, responsáveis por desnudarem a redenção e a perdição de figuras que, se julgadas pelas aparências, confundiriam nosso juízo e revelariam nossos preconceitos.
Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias foi o livro enviado pela TAG Curadoria no mês de março, indicado pela escritora Martha Batalha. Com um bonito projeto gráfico, o livro contém 10 contos da escritora norte-americana Flannery O’Connor, um prefácio da doutora em literaturas africanas Aza Njeri e uma apresentação do tradutor Leonardo Fróes.
E aqui encontramos o primeiro problema do livro: o prefácio deveria ser um posfácio e a apresentação deveria ser um fechamento, esta última principalmente pelos spoilers que contém, revelando inclusive o final de um dos contos.
O interessante deste livro em época de opiniões extremas é que ele consegue se aderir aos dois lados, já que ele é facilmente adaptável a qualquer uma das visões, seja pelo uso constante de comentários racistas, seja pela grande quantidade de referências religiosas. E para quem gosta de encontrar simbologias, os contos podem ser uma verdadeira diversão.
Os contos do livro:
Um homem bom é difícil de encontrar: aqui temos uma avó que mora com o filho, nora e netos. Após ver a notícia de um criminoso que fugiu de uma penitenciaria ela tenta convencer o filho a mudar o destino. Sem sucesso, ela embarca junto e memórias e opiniões vão sendo reveladas conforme a paisagem passa pela janela.
Qualquer um que a visse morta na estrada, em caso de acidente, logo saberia tratar-se de uma senhora distinta.
O rio: um pai paga para que uma mulher cuide de seu filho com cerca de quatro ou cinco anos e ela leva a criança até uma sessão de cura no rio, o que irá impressionar o menino.
Existe apenas um rio, que é o Rio da Vida, e ele é feito do Sangue de Jesus.
A vida que você salva pode ser a sua: em uma casa próxima a estrada vive uma senhora e sua filha surda, um dia chega um homem que se encanta pelo carro estacionado na garagem, e trocando trabalho por hospedagem e comida, vai ganhando a confiança da dona da casa.
Madame, eu daria uma fortuna para viver num lugar onde eu pudesse, toda tarde, ver o sol fazer isso.
Um golpe de sorte: através de Ruby vamos desvendando página a página os seus dramas familiares enquanto ela sobe os degraus de um edifício para chegar até o seu apartamento. Durante o caminho, encontros com os vizinhos garantem os diálogos e informações adicionais.
Que horror, deixar um marido como aquele ver que se tinha um irmão assim.
Um templo do Espírito Santo: a visita das primas adolescentes mais velhas despertam a curiosidade em uma menina de 12 anos que ainda não pode acompanha-las durante o final de semana, e passa observando e tentando captar as suas informações.
Foi assim que ele me quis e eu não discuto com ele.
O negro artificial: um avô cria o seu neto órfão, e ao mentir que o menino havia nascido em Atlanta desperta a curiosidade da criança. E com o objetivo de mostrar que a cidade não é tão legal quanto o neto imagina, eles vão passar um dia por lá.
Uma criança de seis meses não sabe que diferença existe entre um negro e os outros.
Um círculo no fogo: em uma fazenda vive uma mulher com sua filha pré-adolescente e seus criados. Um dia o filho de um ex-trabalhador retorna acompanhado de amigos após a morte do pai, com a justificativa de mostrar o lugar onde possui as melhores lembranças de sua vida.
Tentei ser boa com vocês, tratei-os com gentileza, não foi?
Um último encontro com o inimigo: Sally irá se formar aos 62 anos, e todas as noites ela reza para que o avô, um militar de 104 anos, esteja vivo para participar da cerimônia da colação de grau.
Viver passara a ser um tal hábito para ele que lhe era impossível conceber outro estado.
Gente boa da roça: outra vez a dupla mãe e filha morando na fazenda, aqui a filha é adulta e Ph.D., e o gatilho da história ocorre com a chegada de um vendedor de bíblias. É a história mais bizarra e engraçada do livro.
A mais importante de suas frases era contudo esta: cada um tem o seu modo de ver.
O Refugiado de Guerra: uma viúva dona de uma fazenda aceita receber uma família de refugiado da Polônia. O homem, hábil com máquinas e muito trabalhador, provoca um desiquilíbrio nas relações e reações dos outros empregados e na própria patroa.
Branco ou preto, hoje em dia ninguém pode arranjar lugar facilmente.
Conforme a minha leitura foi avançando, eu me lembrei do que um escritor/poeta me disse uma vez em uma aula de crônica: quando você deixa as suas opiniões tomarem conta da história, ela é sufocada e se perde. Na época a minha primeira pergunta foi como assim o personagem não pode ser um reflexo das minhas ideias?
Só consegui ter um entendimento claro daquela afirmação ao ler o livro de contos de Flannery O’Connor. Mesmo sendo uma apaixonada por contos, a vontade de abandonar a leitura foi o sentimento predominante, e um dia eu aprendendo a fazer isso, e o fato é que eu literaturei este livro.
Os contos de O’Connor no geral são terrivelmente previsíveis, como um juiz absoluto, a questão religiosa está em todos os contos, só faltando aparecer o He-Man no final dizendo a lição que aprendemos naquele episódio (agora eu entreguei a idade, não?!).
Os personagens são muitos semelhantes, a tal ponto que muitas vezes parece que já lemos aquela história, só que com troca de nome dos que serão julgados e sofrerão algum castigo ou redenção divina no final. Faltando aquele lado surpreendente característicos dos contos, que te deixam sem fôlego ou reflexivo.
O que é bastante curioso, já que seus contos possuem uma alta carga de violência, seja física ou psicológica. Eles também possuem uma grande carga social, onde entra a questão do lugar da mulher, negros, imigrantes, relações familiares e as diferenças financeiras. Fornecendo todo um contexto de um período na região Sul dos Estados Unidos.
E aqui entra a frase do meu professor, ao deixar que a sua forte religiosidade interferisse na escrita, ela se perde justamente no que considero a parte fundamental do conto: o seu encerramento.
Mas como livro é uma questão de gosto, e a autora é considerada uma referência, fica a indicação, vai que você goste? Só não vale xingar nos comentários por discordar da opinião.
Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias
A Good Man is hard to find and Other Stories
Flannery O’Connor
Tradução: Leonardo Fróes
TAG – Editora Nova Fronteira
1953 – 287 páginas
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