Sinopse: Os dias de Violette Toussaint são marcados por confidências. Para aqueles que vão prestar homenagens aos entes queridos, a casa da zeladora do cemitério funciona também como um abrigo diante da perda, um lugar em que memórias, risadas e lágrimas se misturam a xícaras de café ou taças de vinho. Com a pequena equipe de coveiros e o padre da região, Violette forma uma família peculiar. Mas como ela chegou a esse mundo onde o trágico e o excêntrico se combinam?
No mês de janeiro/22 recebi da minha assinatura da Intrínsecos o livro da escritora francesa Valérie Perrin chamado Água Fresca para as flores. O mimo foi um bloquinho de anotação em formato de um passaporte para avaliar e fazer breves observações sobre os livros que os assinantes irão receber.
Basta que um único ser nos falte para que tudo pareça vazio.
Violette Toussaint nasceu morta e sem amor, cresceu passando por várias famílias temporárias sem pertencer a nenhuma, mentiu a idade para trabalhar em um bar, foi vigia ferroviária e agora, próxima aos cinquenta anos, é zeladora de cemitério.
Neste local ela cultiva e vende suas flores, tem um espaço na sua casa onde ouve histórias e lamentos daqueles que tentam entender a própria perda, tem um caderno onde anota tudo que é dito nos funerais e com tranquilidade, cuida da limpeza do local.
Será que um homem que não ama mais sua mulher olha para ela como se ela tivesse enlouquecido?
Mas um dia ela recebe a visita de Julien Seul, um homem que tenta entender o último desejo de sua falecida mãe, que é ter as cinzas jogadas no túmulo de um homem que ele nunca ouviu falar. A atenção de Violette atrai o seu interesse, e usando o seu cargo de delegado, ele acaba remexendo em um passado indesejado para ela, trazendo várias emoções à tona.
Os personagens
Existem os mais diferentes perfis na história, o que traz um equilíbrio entre momentos de risada, tristeza e reflexão. Eu vou listar os principais, mas a verdade é que os pequenos personagens, aqueles que muitas vezes estão só para se despedir de um ente querido também são peças fundamentais na história.
Em Água Fresca para as Flores cada pétala tem sua importância, não estando ali por estar, não são um mero acaso. Mas vamos aos principais, que irão interagir com boa parte delas.
Ninguém nunca diz que podemos morrer de tantas vezes que nos sentimos chegar ao nosso limite.
Violette Toussaint é o fio condutor desta história, o bebê que nasceu morto e ressuscitou ao ser colocado em cima de um aquecedor passou por diversas famílias sem ser verdadeiramente acolhida. Sua carência e tristeza não se refletem para quem não consegue prestar atenção.
A mulher gentil que acolhe dores, usa roupas coloridas por baixo das de cores sóbrias, e sempre tem um chá ou uma taça de vinho para os que precisam desabafar. Assim como uma memória para saber a moradia de cada um dos seus vizinhos.
Todas as profissões que têm a ver com a morte parecem suspeitas.
Philippe é o ex-marido que nunca esteve presente, filho mimado que não tem responsabilidade e muito menos amor para compartilhar. Parte deste comportamento eternamente infantil é justamente dos seus pais, principalmente de sua mãe, que como boa sogra não perde oportunidade de criticar ou humilhar a nora.
Desde homem machista, cujo tratamento gentil do início era apenas um disfarce, o único presente recebido por Violette foi Léonine, um verdadeiro raio de sol em forma de filha para quem sempre foi solitária.
Gosto da beleza das coisas porque não acredito na beleza das almas.
Mas o que a família do marido tem de negativo os amigos Célia e Sasha tem de anjo quando abrem suas asas para acolher Violette nos anos mais doloridos de sua vida. Demonstrando o que pode haver de mais belo em uma amizade.
Nono, Elvis e Gaston são os coveiros do cemitério, juntos com o Padre Cédric e os irmãos Lucchini - donos da funerária local - são as pessoas que travam os mais diferentes diálogos na sala da casa de Violette, colocando o leitor na rotina e mostrando como o trabalho em um cemitério é igual ao qualquer outro, embora com algumas situações mais inusitadas.
Por muito tempo, eu me perguntei o que havia feito de ruim para merecer aquilo.
O Delegado Julien Seul chega com suas próprias questões e ao tentar agradecer a recepção gentil, acaba trazendo à tona através de uma investigação parcial todo um passado que a própria Violette desejava esquecer. E sem querer, um acaba entrando na vida do outro.
A escrita de Valérie Perrin
Em Água Fresca para as Flores a autora Valérie Perrin consegue misturar diferentes estilos narrativos. Tem a voz de Violette em primeira pessoa que é a narrativa mais utilizada, tem narrativa através de diário e discurso fúnebre - lembre-se, a personagem principal é a zeladora de um cemitério - e tem a narrativa em terceira pessoa quando se trata em nos mostrar outros personagens aos quais Violette não tem proximidade.
A escrita é direta, sensível e ao mesmo tempo íntima, pois conforme as páginas vão sendo viradas, vamos descascando as camadas da vida de Violette ao mesmo tempo que ela se confronta com dúvidas e descobertas no presente.
A maldade é como esterco. O cheiro fica grudado no ar por muito tempo, mesmo depois que o recolhemos.
E tudo isso é complementado com pequenos detalhes, como os animais de pessoas falecidas que escolhem ficar no cemitério, ou os gatos batizados com nomes que são músicas do cantor Elvis. Ou os simbolismos que estão na quantidade de pessoas, nos discursos de despedida, e até mesmo no colorido escondido pelo escuro nas roupas da personagem.
Desta forma, para mim, foi quase como se muitas vezes eu sentisse o cheiro das flores e temperos que a rodeiam, escutasse o apito dos trens, o calor do abraço da sua filha, e o vazio que a quase sufocou tantas vezes.
O que eu achei...
Eu adorei a história, já sendo uma das minhas leituras favoritas do ano. É sobre morte e perda, mas também sobre encontrar e viver.
Sobre buscar paz após anos de sofrimento sem se entregar a amargura. Sobre amores imortais, ações impensadas, sogras peçonhentas e maridos que traem.
Cada um faz o que quer. Não. A vida dos outros também conta.
Tudo em uma escrita sensível, gentil, envolvente e fluída. O que me fez classifica-lo como um livro para chorar e sorrir, mas principalmente lembrar de valorizar o tempo e os nossos amores.
Água Fresca para as Flores
Changer l'eau des fleurs
Valérie Perrin
Tradução: Carolina Selvatici
Intrínseca
2018 - 479 páginas
Nenhum comentário:
Postar um comentário