Sinopse: O romance O Parque das Irmãs Magníficas é um rito de iniciação, um conto de fadas ou uma história de terror, o retrato de uma identidade de grupo, um manifesto explosivo, uma visita guiada à imaginação da autora argentina Camila Sosa Villada. Nestas páginas convergem duas facetas da comunidade trans, as quais fascinam e repelem sociedades no mundo inteiro: a fúria travesti e a festa que há em ser travesti.
No mês de Março/22 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria o livro O Parque das Irmãs Magníficas da autora argentina Camila Sosa Villada, indicação da escritora Amara Moira. O mimo foi uma espécie de revista que lista 30 personalidades brasileiras pertencentes à comunidade LGBTQIA+.
No Parque Sarmiento, localizado no coração da cidade de Córdoba, na Argentina, quando a lua substitui o sol, um grupo de travestis espera os seus clientes protegidas pelas árvores.
Eles chegam em seus automóveis e reduzem a velocidade para fazer a sua escolha, com um gesto chamam uma e assim ela embarca para o desconhecido. Desconhecido pois os perfis de quem está atrás do volante são dos mais diversos, do jovem ao velho, do solteiro ao casado, do pobre ao rico, do viciado ao escondido, do violento ao que apenas busca satisfazer os seus desejos.
Minha mãe, por sua vez, dizia que desde o meu nascimento precisava tomar Lexotan para dormir. Essa teria sido a razão de sua relutância, de sua passividade diante da vida do seu filho.
Este grupo orbita ao redor de Tia Encarna e é ela quem encontra em uma vala um bebê, que deixado para morrer encontra nos seus braços calor e amor. Fazendo com que todas corram em debandada para leva-lo até a casa que as acolhe, a casa de Tia Encarna.
E todo o amor que este grupo destina ao bebê reflete em seu olhar, fazendo com que recebesse o nome de O Brilho dos Olhos. Mas não se engane, caro leitor do blog, não estamos falando de uma história leve.
As porradas, acima de tudo, as porradas que o mundo nos dá, às escuras, no momento mais inesperado.
Enquanto O Brilho dos Olhos cresce, Camila nos revela o pesado dia a dia do grupo. De quem se traveste de homem durante o dia para estudar, das surras e abusos que elas enfrentam nas mãos dos clientes, da rejeição familiar que aperta no peito e segue nos ombros mesmo após ter abandonado a vida anterior.
A escrita de Camila Sosa Villada
O Parque das Irmãs Magníficas mistura a autobiografia da autora Camila Sosa Villada - que nasceu Cristian Omar na cidade de La Falda, também na Argentina -, com ficção, onde há pitadas de realismo fantástico em personagens como Maria, a muda que se torna uma mulher pássaro ou a que foi o sétimo filho e se torna lobo nas luas cheias e passa estas noites trancada em um quarto.
Em momentos assim, alguém deseja ser capaz de recordar. Em momentos assim, alguém encomenda a própria memória.
No retorno ao passado fui apresentada ao pai machista de Camila, que passou do orgulho de ter um filho homem para a vergonha do comportamento do menino que gostava de se vestir e maquiar como menina. A mãe silenciosa, que aceitava todos os desmandos do marido, e nada fez para melhorar a situação.
E o menino que se escondia em um mundo próprio através da escrita se transformou em uma autora de escrita direta, sem frescura, que usa as palavras para desnudar um universo onde a festa, o acolhimento, a solidariedade, o egoísmo, a solidão e o sofrimento se mesclam.
Tão desoladas, acres, secas, perversas, ruins, sozinhas, ladinas, bruxas, inférteis corpos de terra.
Usando a narrativa em primeira pessoa, eu me senti como se estivesse sentada em algum lugar, com uma caneca de chá, escutando as histórias de Camila, que deixou claríssimo para mim o sofrimento que é para quem tem coragem de fugir do esperado e seguir os seus anseios, pois não basta não se encontrar no próprio corpo, é quase obrigatório ser humilhado e despedaçado a cada dia por aqueles que não aceitam a tua escolha, embora possam procurar por semelhantes escondidos pela sombra da noite.
O que eu achei de O Parque das Irmãs Magníficas
Definitivamente não existe nada mais perigoso para um ser humano do que as outras pessoas ao seu redor. Ao contrário de uma arma, eles te destroem aos poucos, através do olhar, das palavras, do dedo apontado, das surras, dos castigos, das negações, das proibições.
Os raios de sol nos enfraquecem, revelam as indiscrições de nossa pele, a sombra da barba, os traços indomáveis do homem que não somos.
E por Camila ter esta escrita direta, objetiva e ao mesmo tempo fluída, os personagens por ela apresentados se tornaram muito reais para mim, a ponto de ser muito fácil ser transportada tanto para o parque quanto para a casa de Tia Encarna, de sorrir com os momentos descontraídos e de sofrer quando não se consegue entender determinadas ações, se sentindo um pouco na pele delas por 205 páginas.
Pele que lida com prostituição, a sentença de morte da Aids, violência, roubo, assassinato, suicídio, solidão, injustiça, mas também amizade, amor, apoio, sonhos e descobertas.
Eu mentia para meus clientes e mentia na universidade e mentia quando voltava para a casa dos meus pais, a quem só importava uma coisa, o sonho de todos os pais: ter um filho profissional
E por isso deixo a sugestão para quem procura livros que misturam ficção e autobiografia, para quem deseja conhecer mais da realidade das travestis, ou para quem simplesmente quer ler um bom livro e ser tocado por ele.
O Parque das Irmãs Magníficas
Las Malas
Camila Sosa Villada
Tradução: Joca Reiners Terron
TAG - TusQuets Editores
2019 - 205 páginas
Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.
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