Sinopse: Cecília é o oposto do que se imagina de uma pediatra – uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Porém a medicina era um caminho natural para ela, que seguiu os passos do pai. Apesar de sua frieza com os pacientes, ela tem um consultório bem-sucedido, mas aos poucos se vê perdendo lugar para um pediatra humanista, que trabalha com doulas, parteiras e acompanha até partos domiciliares. Mesmo a obstetra cesarista com quem Cecília sempre colaborou agora parece preferi-lo. Ela fará, então, um mergulho investigativo na vida das mulheres que seguem o caminho do parto natural e da medicina alternativa, práticas que despreza profundamente. Em paralelo, vive uma relação com um homem casado, de cujo filho ela acompanhou o nascimento como neonatologista. E é esse menino que irá despertar sentimentos nunca antes experimentados pela pediatra.
Cecília vive um casamento infeliz, prefere atender apenas os casos padrões onde medica os remédios já decorados e ser a rápida e eficiente neonatologista de partos devidamente programados. Qualquer caso diferente ela já tem o nome do especialista que melhor irá tratar aquele problema.
Após a separação proposta pelo marido, ela se vê envolvida em um caso com um homem casado, a gravidez inesperada da empregada e o infarto do pai. Em paralelo vê um pediatra adorado pelas doulas invadir o seu espaço dentro do hospital, tirando-lhe o que era certo.
Marido infeliz mina até um jequitibá. Eu jogava na cara dele a rigidez das minhas articulações, uma fibromialgia se instalava por sua culpa.
Neste cenário ela conhece Bruninho, o menino que ela pegou no colo ao nascer atendendo ao pedido do amante, pai da criança, e agora se vê irremediavelmente responsável por ele, a ponto de seguir a criança e manter um relacionamento vazio somente por causa dela.
A escrita de Andréa Del Fuego
Cecília é a personagem do título e a narradora da história, voz que a autora Andréa Del Fuego utiliza para fazer um retrato exagerado da classe média alta, ao mesmo tempo que entra em questões de discussão um tanto sensível como parto normal x cesariana, onde é possível identificar tanto crítica ao parto eletivo quanto ao fato de alguns partos naturais terem se tornado uma espécie de show.
Tratei todo mundo aviando a mesma receita salva no laptop, mudava só o nome.
Sem diálogos, o texto é rápido, sem muita explicação do passado da personagem, apenas a rotina do seu dia-a-dia e os sentimentos, opiniões e percepções que vão surgindo com cada situação. Possibilitando assim uma leitura rápida, podendo ser considerado um humor irônico ou a agonia de uma mulher completamente perdida, visão que irá depender muito do estado de humor do leitor.
O que eu achei...
Se for colocado o olhar da psicanálise, pode se dizer que Cecília é muito mais complexa do que aparenta ser. Ela é ao mesmo tempo egoísta, desapegada, responsável, materialista, sozinha, confusa e somado a isso carrega um grande sentimento de culpa.
Criança nem pensar, acabaria minha naturalidade, me obrigaria a ser outra pessoa.
Se por um lado ela é privilegiada por ter nascido em uma família classe alta, por outro observa-se em pequenos relances que ela cresceu sem amor, e que a profissão ao qual ela exerce como um robô não foi de livre escolha, parecendo mais aqueles cenários de seguir a vontade paterna com a preguiça de desvendar um mundo novo.
Curiosamente ao criticar a cesariana eletiva, a autora através do olhar ácido de Cecília acaba expondo os exageros do parto natural, colocando em foco as altas cobranças existentes para quem entra no mundo materno desde que o exame dá positivo.
A bebê entrou aqui cianótica, eu perguntei para a mãe se ela estava sozinha em casa, ela não abriu a boca, mas o marido soltou que estavam a doula e o pediatra.
Cobranças e críticas que não são encontradas no lado paterno, onde traições e relações sem culpa correm soltas, aliás, os poucos homens da história são todos fracos ou com comportamento questionáveis, não merecendo mais participação do que já possuem nas páginas.
No resumo da ópera terminei a leitura acreditando que Cecília é uma mulher que precisa, mais do que tudo, de amor, carinho, afeto e ajuda psicológica. E não, ela não é ruim, muito menos maldosa, só tem uma vida vazia ao qual precisa pegar as rédeas para dar um significado.
Meu pai estava tão sincero que duvidei de tudo o que ouvira dele antes, não que ele não fosse sincero sendo ao mesmo tempo alegre, mas aquele tom metálico dava mais realidade, concretava.
Não consegui ver humor em meio as situações exageradas do cotidiano, mas sim uma banalização da mulher, que independente do meio social, não tem domínio sobre as suas escolhas.
Uma observação, se o leitor for facilmente influenciável, vai ficar facilmente com vontade de tomar vinho e/ou cerveja e comer pizza durante a leitura.
A Pediatra
Andréa Del Fuego
Companhia das Letras
2021 - 159 páginas
Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.
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