Sinopse: Os Farel são um casal poderoso. Jean, aos setenta anos, é um famoso jornalista político francês; sua ex-esposa, Claire, é conhecida por seus ensaios e compromissos feministas. Juntos, eles construíram uma reputação e tiveram um filho, Alexandre, estudante de Stanford, prestigiosa universidade americana. Claire está feliz em um novo relacionamento com Adam, um homem simples, professor de uma escola judaica e pai de Mila, uma garota tímida, que orienta a vida sob preceitos religiosos. Tudo muda na noite em que Alexandre e Mila vão juntos a uma festa. Uma acusação de estupro vai abalar a construção social perfeita da família Farel, ao mesmo tempo em que o drama irrompe com múltiplas e extremas implicações midiáticas e jurídicas no auge absoluto do debate #metoo.
No mês de Março/2023 recebi pela minha assinatura da TAG Curadoria a indicação da escritora Tatiana Salem Levy: Coisas humanas o décimo primeiro romance da escritora francesa Karine Tuil. O mimo foi um objeto de decoração.
Jean Farel é um famoso apresentador de TV, de origem pobre e marcado pela tragédia, que se tornou um homem obcecado pela juventude – a ponto de negar a si mesmo viver com a mulher que realmente diz amar - e orgulhoso de seu próprio poder no meio político francês. Mas apesar de todo o seu prestígio, sente o perigo bater à porta com o novo diretor da emissora que está há tantos anos.
Sua ex-esposa Claire é vinte sete anos mais jovem. A acadêmica feminista que foi estagiária de Bill Clinton se vê em meio a ataques após acusar os imigrantes em um artigo sobre os ataques em massa em Colônia, ao mesmo tempo que se vê retornar as sombras ao abandonar o marido em troca de uma nova paixão.
A extrema deflagração, a combustão definitiva, era o sexo, nada mais - fim da mistificação.
Sua nova paixão é o professor judeu Adam, pais de duas filhas, rompe com as tradições para viver um grande amor. O que faz com que a mãe, ainda traumatizada do atentado a escola judaica em Toulouse, se volte ainda mais para a religião, provocando um rompimento com a filha Mila, que busca no pai uma alternativa.
E nesta busca que os caminhos de Mila acabam cruzando com o do herdeiro dos Farel. Alexandre é o garoto de ouro com ótimas notas, estudante de Stanford, parece destinado ao sucesso, embora a pressão já o tenha levado a tentar suicídio. Mas mesmo um típico modelo da elite parisiense pode se colocar em uma situação perigosa ao misturar drogas e bebida alcóolica, combinação que não apenas colocara a vida de todos os envolvidos de cabeça para baixo, como os transformará em personagens de um espetáculo midiático.
A escrita de Karine Tuil
Utilizando a narrativa em terceira pessoa, a autora Karine Tuil divide o seu Coisas Humanas em três partes nomeadas de Difração, O território da violência e Relações humanas. Tendo como base não só a elite parisiense, como diversos ataques sexuais que se tornaram famosos, os movimentos que se levantaram contra eles, como também a relação com os imigrantes e os ataques terroristas que assombram os franceses até os dias de hoje.
Mas acima de tudo, e esse é a grande sacada do livro, ela torna o leitor parte de um júri de acusação de estupro.
A política e o jornalismo tinham constituído os propulsores de sua existência: vindo do nada, sem diploma, sem contatos, ele escalou todos os degraus;
Após uma breve apresentação dos personagens envolvidos, que terão a sua história complementada no decorrer da narrativa, somos colocados no grande tabuleiro que um tribunal se transforma ao colocar réu e vítima frente a frente, confrontando as suas versões.
E isso torna a leitura ao mesmo tempo densa e instigante, pois está tudo lá, a desmoralização da vítima, a inversão dos papeis, as diferenças sociais e a violência em suas diferentes formas. Tudo descrito de uma maneira a provocar dúvidas em quem está lendo, como ocorre em um júri real.
No meio judeu conservador, o casamento permanecia um ato supremo, valorizado e sacralizado.
Em paralelo a isso ela aborda as diferentes faces dos personagens que são atingidos não apenas em seu âmbito pessoal, como também na necessidade de gerenciar isso nas diferentes mídias. Ampliando a narrativa para um olhar tanto sobre a sociedade moderna como o papel da mulher ao trazer diferentes gerações sejam em confronto sejam a sombra de homens poderosos.
Tudo isso tendo fatos reais misturados a ficção, cujo até o tema central foi inspirado em um caso verídico. Tornando assim a leitura ainda mais próxima da realidade.
O que eu achei de Coisas Humanas
Vou iniciar com o que eu não gostei: a falta de revisão, revelada em capítulos seguidos com palavras repetidas ou sem separação, erros que gritavam na virada das páginas em uma edição que não merecia essa falta de cuidado.
Em relação a narrativa eu gostei muito da história e dos conflitos apresentados. Sendo um retrato atual da época que vivemos de cancelamentos, desafios dos imigrantes, ataques terroristas, machismo e claro, a questão do estupro.
Sempre tivera relações particulares com seus pais, uma mistura de sincera afeição e desconfiança.
Os personagens são bem elaborados, compondo em suas escolhas, erros, diálogos todo o sentindo do título dado. Confesso ter sentido um pouco de falta do lado da vítima, mas creio que a ideia era justamente essa, o silenciamento indica a diferença de classes, onde os mais simples são invisíveis. Eles não têm voz, seu sofrimento não possui o mesmo tamanho dos das grandes castas, mesmo quando eles são as vítimas.
Motivo pelo qual achei genial a ideia de colocar o leitor como um jurado nesta história, fazendo com quem se entrega a leitura refletir sobre os seus próprios conceitos. Diante do desconhecido, qual é a sua base pessoal para definir o que é verdade? O que o outro precisa ser, ter vivido e como deve ter se comportado para que você acredite na versão dele?
Seus argumentos seriam deformados, truncados, mal interpretados, ela receava o impacto que teriam sobre a opinião pública.
Pois ao autorizar o leitor a julgar, inevitavelmente os detalhes saltam mais aos olhos, lhe é permitido julgar sem se esconder cada um dos personagens, podendo revelar mais dos próprios conceitos do que dos próprios julgados.
De bônus deixo para quem procura por livros com temas semelhantes, a personagem Claire me fez lembrar da mãe de um dos personagens de Eu não sei quem você é, que também aborda estupro e feminismo, mas por outro olhar.
Ele a apagou, contudo, o mal já estava feito, a captura de imagens na tela circulava na internet.
Ficando a recomendação de leitura para quem gosta de temas contemporâneos, de história de tribunal e claro, para quem simplesmente gosta de ler.
Coisas Humanas
Les choses humaines
Karine Tuil
Tradução: Mauro Pinheiro
TAG - Paris de Histórias
2022 - 319 páginas
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Assinatura integralmente paga pelo autora da resenha.
Divagando com Spoiler
Esta parte aqui é para quem já leu o livro e quer saber um pouco mais da opinião de quem já finalizou a leitura. Então se você não gosta de saber nenhum detalhe a mais, não siga a leitura. Caso contrário, fique à vontade para descobrir quais foram os ecos que a leitura me deixou após eu fechar a última página.
Quem finaliza a leitura sabe que apesar do veredito de acusado, não existe uma frase que afirme com todas as letras que Alexandre estuprou Mila. Há apenas as provas que cada um apresenta, assim como as acusações verbais e exposição do passado de Mila.
Confesso que se eu não tivesse acesso ao antes de tudo e aos detalhes nos pós através do próprio Alexandre, eu poderia ficar em dúvida sobre que decisão tomar. Pois sim, ele é apresentado como um bom rapaz com ótimas notas nos estudos, com o depoimento da ex-namorada, amigos, com os seus traumas e pressões vindo da relação dos pais.
Nascíamos, morríamos; entre os dois, com um pouco de sorte, amávamos, éramos amados, isso não durava muito, cedo ou tarde acabávamos sendo substituídos.
E temos Mila, uma jovem que não queria seguir as regras da religião da mãe, que nesta situação teoricamente estaria livre, que viu o pai ir embora para viver um amor enquanto a mãe se fechava mais. Sendo necessário que se observe seu estado físico e psicológico para analisar que aquilo não é uma armação.
Por isso achei a situação do tribunal bastante complexa e fiquei imaginando as situações da vida real, quando você não se depara com um antes e depois, o quão grande é o risco de se cometer um erro quando as interrogações são lançadas, o quanto se precisa de calma, atenção e se despir de qualquer preconceito prévio para não julgar equivocadamente.
Em dois anos, tudo o que tinha construído se desintegrara sem que ela pudesse fazer qualquer coisa a fim de interromper o processo devastador.
No livro eu acredito que Alex é culpado, logo após o episódio identifiquei um breve momento de culpa e remorso, ao qual ele logo joga para o lado enquanto antecipa a sua saída do país usando os pais como justificativa. Assim como as ações dos amigos indicam que não deve ter sido a primeira vez.
E isso é uma das coisas que faz o livro ser bom de ser discutido, porque a leitura é individual, e cada um pode finalizar com outra percepção. Então se você leu e passou por aqui, me diga, qual o seu veredito em relação ao Alex? Inocente ou culpado? Me conte as suas alegações, adoro ter novas visões neste tipo de narrativa.
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