domingo, 4 de fevereiro de 2018

Retorno a Brideshead



Quem começa a contar a sua história é o capitão do exército britânico Charles Ryder. O período é a segunda guerra mundial. O narrador não poupa detalhes, seu olhar observador lhe leva para dentro de cada lugar. Mas é quando ele retorna a Brideshead, castelo pertencente a uma rica e conhecida família do capitão, agora cedida ao uso do exército, que iremos descobrir quem ele realmente é.

As paredes da casa iram levar Charles e os leitores ao fim da sua adolescência. Órfão de mãe. Pai vivendo em um mundo próprio. Sem religião. Tem o primo Jasper como um grilo falante que aparecia de tempos em tempos quando ele vai para Oxford.

E se existe um início de tudo é em Oxford. Local onde conhece Sebastian Flyte, rapaz de família rica, que carrega um urso de pelúcia e que cativa pela simpatia. Sua personalidade é complexa, parecendo estar perdido entre os papeis de menino minado e adolescente rebelde. Algo o oprime e o deprime.

A relação entre os dois é de amor, ciúmes e de um companheirismo que resulta em isolamento. Sebastian leva Charles até o seu mundo, onde a ostentação brilha em paredes, pratos e jardins. E o medo do rapaz se concretiza quando Charles é abraçado pelos outros membros da família, como se isto o tornasse outra pessoa, um inimigo, um espião.

Chegar neste ponto é essencial, pois Charles é um artista, e de certa forma, um alter ego do escritor Evelyn Waugh (sim, é um escritor, seu nome completo é Arthur Evelyn Waugh), e isto torna o início bem cansativo até a história se desenrolar e o leitor entender o motivo do detalhe do detalhe.

Somente através da família de Sebastian vamos ver um pouco da famosa satirização de Waugh com a sociedade inglesa, ao mesmo tempo em que ele nos apresenta a sua fé na igreja católica.

Aliás, o livro me pareceu convergir muito bem com dois livros que eu havia lido. Em Retrato de Uma Mulher Desconhecida uma das filhas de Thomas More nos leva ao início do fim do poder da igreja católica sobre a monarquia britânica e a conversão dos súditos a igreja de anglicana. Aqui, anos depois, temos uma das poucas famílias tradicionais que seguiram em sua fé, vivendo com medo dos castigos por condutas inadequadas as pregadas, e buscando o perdão para sua redenção e entrada no céu após a morte.

Existe também a versão da visão burguesa da guerra dos mineiros, que e é narrada por uma das famílias da trilogia O Século do Ken Follet, e aqui não é dada importância pelos personagens, como se fosse uma bobagem qualquer.

Na história as personagens femininas são fortes, Lady Marchmain tem uma forte figura matriarcal, sua sutiliza em manipular e enxergar somente o que quer ver torna a figura amável entre os demais personagens. Julia é a versão feminina e madura de Sebastian, onde nem mesmo a frieza esconde a tristeza dos olhos. E Cordelia, a menina esperta e única que o leitor irá acompanhar da infância a fase adulta.

Livro detestado por alguns, e admirado por outros, eu diria que vale a leitura. E sim, eu gostei, apesar de não ser muito fã de livros com muitas notas de rodapé. Passado o cansaço inicial, onde parecia difícil ler várias páginas em sequencia (e seus capítulos são bastante longos), é possível se acostumar com o estilo de escrita de Waugh e ficar curioso e até mesmo indignado com alguns de seus pontos de interrogação.

Minha sugestão: Leia após um livro leve, antes de vivenciar os conflitos filosóficos, religiosos e sociais de quem passou por Brideshead.

Bônus: Existem filme e série do livro, para quem gosta de ler e assistir, fica a dica.

Retorno a Brideshead: Memórias sagradas e profanes do capitão Charles Ryder
Brideshead Revisited: The sacred e profane memories of captain Charles Ryder
Evelyn Waugh
Tradução: M. Alice Azevedo
TAG – Companhia das Letras

1945 – 390 páginas

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