terça-feira, 17 de agosto de 2021

Ada ou Ardor


Sinopse: Este é talvez o romance mais ambicioso de Vladimir Nabokov. Em Ada ou ardor, ele constrói uma narrativa de fôlego, de escopo monumental, em que todos os seus principais temas confluem: há a exploração das lembranças inconstantes da infância, como em Fala memória, há a recriação de territórios fabulosos, como em Fogo pálido; e há o amor proibido por uma menina fugidia, como em Lolita. Carregado de lirismo, o romance é também um feito linguístico, no qual Nabokov arquiteta uma narrativa complexa e fluída, que nos leva através das lembranças de Van Veen em sua tentativa de reconstruir a história de amor que viveu com a prima, Ada. "Nunca antes um romance fez com que a acumulação de experiência humana ao longo de uma vida parecesse tão ricamente romântica", escreve o crítico Boyd, no posfácio deste livro. "Nunca, nem mesmo em Prost, o choque do presente foi tão amplificado por meio da repetição, da recordação, da antecipação, da tristeza, do remorso, da diversão e do êxtase."

A crônica familiar da rica família Veen ocorre na Antiterra - que seria a nossa realidade na Terra em uma imagem distorcida no espelho - durante um período de cem anos, indo de 1868 a 1967. Neste lugar, muitas vezes parece que ainda não ocorreu a Pangeia, tamanha facilidade de deslocamento de um ponto a outro.  E a língua é uma mistura de inglês, francês e russo.

Logo de início iremos conhecer as gêmeas Marina e Aqua, que irão se casar com os primos Demon e Daniel. Estes relacionamentos irão gerar os personagens que são os fios condutores da história, a Ada do título, sua irmã Lucette e o primo Van.


Uma Revelação pode ser mais perigosa do que uma Revolução.


É na mansão de Ardis que Van, então com quatorze anos, e Ada, então com 12 anos, irão começar a ligar o quebra-cabeça que torna a sua aparecia física tão semelhante: a descoberta que eles são na verdade irmãos. Mas isso não irá impedir que eles se aventurem em outras descobertas bem mais íntimas um no corpo do outro, em uma relação incestuosa ao qual mantinham escondida de seus pais.

Entre encontros secretos e saudades aliviadas por cartas, eles crescem mantendo a paixão acessa, mas sem manter nenhuma fidelidade, ao mesmo tempo que vão envolvendo Lucette, ainda inocente, em suas brincadeiras, tornando a sua cabeça jovem bastante confusa.


Verificando que as flores eram artificiais, ele pensou como era estranho que essas imitações sempre tentassem enganar apenas os olhos, em vez de copiar também a sensação úmida e carnuda das pétalas e folhas vivas.


O resultado deste amor proibido irá afetar a todos e nortear os caminhos do casal, em um processo de reencontro e repetição ao longo das páginas. Dividida em cinco partes, elas acompanham Van ao longo dos anos, com um grande enfoque para as mulheres que encontra, os livros que escreve e o momento em que começa a ter consciência do tempo e do próprio envelhecimento.

Para os fãs de clássicos, ao longo da narrativa será fácil encontrar os vários easter eggs que alimentam a história, para confirmar ou entender ao que estou me referindo, basta ler na parte final as anotações de Ada assinadas por um anagrama do autor. São referências a outros autores - como Tolstói, Júlio Verne e Jane Austen -, lugares e as expressões usadas ao longo da história agora traduzidas. Nem todas as opiniões são exatamente positivas, o que de certa forma podem gerar uma comparação de opinião entre o que diz o escritor e o que pensa o leitor.


Ambos buscavam nos livros o máximo de excitação intelectual, como o fazem os melhores leitores; ambos encontraram em muitas obras famosas nada mais do que pretensão, tédio e falsas informações.


No Posfácio o escritor e professor Brian Boyd, considerado o maior conhecedor do autor na atualidade - faz uma análise de Ada ou Ardor, traçando uma linha de comparação com Ulisses de James Joyce, além de resgatar cenas e analisar os personagens e a forma narrativa - como o uso de repetição e recordação. Além, é claro, referenciar outras obras de Vladimir Nabokov, como o polêmico e surpreendente Lolita. Complementando assim a experiência de leitura e possibilitando mais interpretações pós leituras, já que a história é rica em simbolismos.

O livro mistura narrativas em primeira e terceira pessoa, visto que Van é o narrador e o personagem central da história por ele contada, embora possua anotações de Ada durante as suas revisões, ficando claro ao leitor que ele está lendo as memórias deste homem com uma vida digamos bastante intensa.


Pensamentos estranhos e malevolentes atormentavam a mente dele.


Apesar de percorrer o final dos anos de 1800 e mais da metade dos anos de 1900, não é um livro para encontrar referências históricas como as duas grandes guerras, pois cabe recordar, como eu escrevi lá no início, que não estamos falando da Terra e sim da Antiterra. 

Com isso o leitor irá passear por referências filosóficas, eróticas e de ficção científica enquanto acompanha em um misto de romantismo e deboche os movimentos de uma família milionária ocupada dentro da própria bolha, com direito a compra de muitos imóveis e duelos para sossegar os pensamentos após desconfiar de traições.


O prazer de destruí-los não iria curar seu coração, mas sem dúvida limparia seu cérebro.


Mas ao contrário do que ocorreu na leitura de Lolita, ao qual considerei o livro fantástico, em Ada ou Ardor tiveram algumas coisas que me incomodaram, como se os anos de diferença entre uma leitura e outra, o que inclui várias mudanças na forma de olhar o mundo e a maternidade, parecem ter influenciado bastante.

Começo com a mais banal de todas, o uso recorrente de parênteses (). Eles estão em abundância no texto, e eu, particularmente, sinto a leitura travar quando há excessos deles. Sim, eu entendo, é o estilo da escrita, já que parecia alguém revisando e os utilizando para explicar determinada situações ou apenas comentando ou relembrando algum fato complementar da memória. 


Aceitou o toque da mão cega que lhe subia pela coxa e maldisse a natureza por ter plantado uma árvore nodosa estourando de seiva vil entre as pernas dos homens.


As próximas duas se misturam, então vou começar com a que mais me desagradou aqui, que foi a sexualização de meninas ainda crianças. Em Lolita eu relevei este fato por me parecer uma história de pedofilia, em Ada ou Ardor ela é naturalizada pelo narrador e pelos que estão na sua volta, como o velho que cada vez buscada meninas mais jovens para deflorar ou no próprio comportamento de Ada.

Essa sexualidade antecipada faz companhia ao machismo, de homens que duelam por sua honra a olhares que percorrem corpos femininos da unha do pé ao último fio de cabelo, dando uma amostra que o dinheiro compra o respeito alheio, mas não é concedido automaticamente aos seus donos.


Quero examinar a essência do Tempo, não sua passagem, pois não creio que sua essência possa ser reduzida a seu transcurso.


E ao me sentir desagradada, a leitura acabou me trazendo uma reflexão de que a postura masculina descrita não é algo que ficou no passado, que não posso denomina-la como algo característico da época em que o livro foi escrito, pois as situações permanecem atuais, tanto de abuso infantil como a visão da mulher objeto. E talvez seja essa razão de eu não conseguir me divertir com a história.

Então sim, acho que terei que reler ele em um outro momento, para buscar a leveza e fluidez inteligente citada por Brian Boyd. Enquanto os anos não passam, eu deixo a dica para os leitores do blog, principalmente para os que adoram ler um clássico.


Ada ou Ardor - Crônica de uma família
Ada or Ardor - A family chronicle
Vladimir Nabokov
Tradução: Jorio Dauster
Alfaguara
1969 - 605 páginas

Esta edição faz partes dos livros recebidos pelo Time de Leitores 2021 da Companhia das Letras, cuja resenha é independente e reflete a verdadeira opinião de quem o leu.

5 comentários:

  1. Uma pena que a leitura não tenha te agradado tanto agora, quem sabe em uma próxima leitura você goste mais... ou não. kkkkkk Mesmo assim, valeu pela dica e pela sinopse! É bom encontrar resenhas sinceras na web :D
    Beijão! ♥

    Relíquias da Lara

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  2. Que interessante esse livro. Já estou curiosa para ler, bjs

    https://blogatrasdorimel.blogspot.com

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  3. Ainda não conhecia esse livro, mas me parece bem intenso. Não sei se é o tipo de livro que me agradaria.

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  4. Oi, tudo bem? Gente que edição mais linda. Já ouvi falar do autor mas não conheço sua escrita. Uma pena a leitura não ter dado certo pra você. Pelo tema pensei que prenderia mais. Um abraço, Érika =^.^=

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  5. muito bacana esse livro, parece ser bem profundo, amei viu!

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