terça-feira, 14 de julho de 2020

Todos os nossos ontens



Sinopse: A intriga centra-se em torno de duas famílias da burguesia italiana, que são apanhadas pela guerra, e relata as interferências dos conflitos internacionais nos comportamentos e relações humanas. Os passos da vida naturalmente associados à alegria, como o casamento e a maternidade, tornam-se mais trágicos que a própria morte. Os sentimentos de amor, ódio ou amizade são afetados. Mas também os gestos mais simples, automáticos, como abrir uma porta, usar um vestido, apanhar um comboio, adquirem sentidos inesperados e dramáticos.

O livro de junho da TAG Curadoria foi indicação do escritor Andrés Barba. A autora Natalia Ginzburg é uma das escritoras nas quais Elena Ferrante, um dos grandes nomes da literatura atual, se inspirou ao descrever o lado mais realista do cotidiano italiano.

Escrevia há muito tempo, deixara de ser advogado para poder escrevê-lo.

Logo de início somos apresentados a família de Anna, quatro filhos, pai viúvo e a senhora Maria, que havia viajado pelo mundo com a avó paterna e agora tomava conta da casa. Da mãe, que morreu após o parto da caçula, nada sabemos além da existência da foto na parede. Na frente, uma casa mais luxuosa, onde um empresário vivia com os três filhos e a esposa.

Queriam derrubar os fascistas, começar a revolução.

O pai de Anna tem pavor de Mussolini, do rei e dos fascistas, e ocupa os dias do filho mais velho, chamado Ippolito, escrevendo o seu livro de memórias. Quando o verão chega, querendo ou não, todos devem acompanhar o patriarca até as Amarenas.

Os quatro irmãos diferem bastante entre si. O filho mais velho é silencioso, já a irmã gosta mesmo é de namorar, o outro irmão parece não querer nada com nada e Anna vive acomodada em uma espécie de preguiçoso abandono.

Sempre que a beijava, seu rosto perdia qualquer traço de desprezo e de arrogância.

A rotina da família começa a mudar justamente com a morte do pai e a proximidade da guerra, que acaba formando laços entre os filhos das duas casas. Quando a mesma estoura, as famílias vão viver diferentes realidades, e quem irá nos fornecer notícias de todos é Anna.

O livro é narrado por uma terceira pessoa que acompanha todas as escolhas da jovem Anna, uma menina que vive por conta, em uma família onde todos parecem cuidar apenas de si. O impacto com a chegada da guerra gera diferentes reações em cada um, entre o medo e o desejo de pegar em armas, cada um dos irmãos opta por seguir o seu próprio caminho e enfrentar ou não os seus medos.

Procuravam também na memória as palavras que dissera. Mas havia dito tão poucas palavras.

A história é dividida em duas partes, onde temos o Norte com suas cidades destruídas e rebeliões, e o Sul, onde temos camponeses sendo saqueados e controlados, vivendo com medo de soldados alemães. Em comum na Itália inteira está a fome, a destruição e o envio de homens para lutar.

A forma de escrita de Natalia Ginzburg me transportava para uma cozinha, onde uma nona fazia pão em um fogão a lenha e me contava a antiga história dos moradores das casas que ficavam no fim da rua. As vezes em frases longas, de perder o fôlego, outras de forma objetiva e com impacto.

Nunca lhe passara pela cabeça desejar um filho, mas visto que tinha um sobrando aceitava-o.

São anos na vida de pessoas comuns, únicas em suas personalidades e sonhos, com defeitos e qualidades, tentando sobreviver em uma situação extrema chamada guerra. Existe solidão, perda, fome, morte, vida, frio, dúvidas e reflexões. Há também atos que podem ser considerados covardes, heroicos, de generosidade e até mesmo de avareza. É o ser humano vendo a rotina de seu cotidiano ser quebrado, para depois os cacos serem juntados pelos que sobraram.

Ao final da leitura fui tomada de diferentes sentimentos, uma mistura de vazio e tristeza por tudo o que os personagens da história passaram. Uma reflexão de quantos viveram isso, em diferentes condições, e quanto de força foi preciso para recomeçar sem deixar que os fantasmas continuassem a assombrar. Uma dor que começou individual e se tornou coletiva, e jamais pode ser esquecida para que não se repita. 

Todos os nossos ontens
Tutti i nostri ieri
Natalia Ginzburg
Tradução: Maria Betânia Amoroso
TAG - Companhia das Letras
1952 - 327 páginas

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